(Publicado originalmente no
Correio Braziliense)
Domingo sem Eixão do Lazer? Como assim?» PAULO CESAR MARQUES DA SILVA
Professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), é doutor em Transportes pela University College London (Inglaterra)
Veículos da imprensa do Distrito Federal vêm noticiando que amanhã, por causa do jogo Santos x Flamengo, pela rodada de abertura da Série A do Campeonato Brasileiro de 2013, o Eixo Rodoviário não será fechado ao tráfego motorizado. Ou seja, ao longo de todo este domingo, o brasiliense não terá seu Eixão do Lazer, alegadamente para permitir que os torcedores cheguem e saiam com facilidade da área em que fica o Estádio Nacional Mané Garrincha, onde a partida ocorrerá a partir das 16h. Vários aspectos merecem ser comentados acerca desse disparate, mas vou limitar-me a apenas alguns deles aqui neste espaço.
A primeira coisa que chama a atenção é a flagrante contradição entre a medida em si e o esquema preconizado pela Fifa para os dias de jogos das copas que ela organiza. Conforme o que se lê na imprensa, isso é que estará sendo testado e a intenção do GDF é repetir a dose a cada jogo que ocorrer no Mané Garrincha em domingos ou feriados. Acontece que o esquema da Fifa é exatamente o oposto: para ela, o tráfego motorizado deve ser impedido nos arredores da arena, o que pressupõe reforçar o transporte coletivo, não facilitar a chegada de carros.
Há também uma contradição de natureza, digamos, conceitual. A realização do jogo entre Santos e Flamengo em Brasília pareceu ser uma ótima oportunidade de permitir que torcedores brasilienses de dois dos mais tradicionais clubes de futebol do país protagonizassem o espetáculo que estão acostumados a ver pela tevê nas arquibancadas de outros estádios. Os preços proibitivos dos ingressos, no entanto, projetam suspeitas de que boa parte das torcidas autênticas acabe excluída da festa. A se confirmarem tais suspeitas e a suspensão do Eixão do Lazer, assistiremos a uma dupla exclusão — do povo que não pode pagar para ir à arena nem pode desfrutar num dia de festa do principal lazer gratuito que a cidade oferece.
Por último, mesmo se admitisse que o mundo é assim mesmo e que todos os habitantes do DF querem sinceramente facilitar a vida de quem vai de carro ver o jogo na arena, eu permaneceria com imensas dúvidas sobre a efetividade da medida. Afinal, quantos serão esses torcedores que precisam percorrer a Asa Sul ou a Asa Norte para chegar ao Mané Garrincha antes das 16h e sair após as 18h? Quantos serão os carros demandando a suspensão do Eixão do Lazer, desde seu início, às 6h da manhã?
Mesmo sem entrar em outras considerações, acho que tenho motivos de sobra para crer que estamos diante de uma cortina de fumaça. Vejo indícios de que há outras motivações, talvez as mesmas que levaram um antigo secretário de Transportes local a anunciar o fim do Eixão do Lazer alguns anos atrás. Segundo ele, a atividade atraía só um pequeno número de pessoas, enquanto muita gente era prejudicada por não poder cruzar a cidade a 80km/h nos domingos e feriados.
A propósito, a ideia insana do ex-secretário acabou inspirando a Lei Distrital nº 4.757, de fevereiro de 2012, que estabeleceu o Eixão de Lazer nos termos em que ele existe hoje e obriga o Poder Executivo a adotar “as medidas necessárias para disponibilizar à população, com segurança, o espaço físico de trata esta lei”. Ora, se não há nova lei revogando a do ano passado, como pode o Executivo suspender o Eixão do Lazer?
Mas, voltando à cortina de fumaça, parece-me mesmo que essa vontade difusa de submeter tudo e todos à ditadura do automóvel pode até permanecer latente durante um ou outro período. Seus defensores podem parecer tímidos ou ficar envergonhados por um tempo. Porém, na primeira oportunidade, a obsessão reaparece com toda força. Mesmo que precise inventar os argumentos mais ridículos e absurdos para tentar convencer os incautos.