Acho ainda mais significativo que o desafio parta de um político que tem sua história de administrador fortemente associada a obras e, portanto, quando falamos de transporte, associada a intervenções de ampliação do sistema viário que acabam beneficiando o automóvel e estimulando o tráfego individual motorizado.
Sinceramente, não tenho o menor interesse em buscar as razões que levaram o vice-governador a lançar o desafio. Acho, sim, que cabe à sociedade do Distrito Federal aceitá-lo e refletir sobre o futuro do "quadrado", assumindo o protagonismo da mudança do paradigma de mobilidade urbana.
Aí vai o texto:
Dilema entre trânsito
e transporte
TADEU FILIPPELLI
Vice-governador do
Distrito Federal
Brasília nasceu do
sonho de Juscelino Kubitschek de levar desenvolvimento econômico e
social para as regiões mais distantes do litoral brasileiro. Eram os
anos 1950, quando, além da bossa-nova, os ventos do progresso
traziam de forma definitiva a indústria automobilística, a opção
por estradas em vez de ferrovias e cidades que já surgiam com ruas e
avenidas largas, de preferência sem semáforos e cruzamentos e
poucas calçadas.
Esse modelo de
desenvolvimento tornou-se realidade incontestável em nosso país,
trazendo benefícios e também muitas mazelas. A indústria
automobilística é responsável por cerca de 5% de todo o PIB
nacional e por 23% do PIB da indústria brasileira. Embora nosso
crescimento econômico atual seja baixo, o desemprego não ganhou
força, e a indústria automobilística emprega, pelo menos, 3
milhões de pessoas em todo o país. Mas as cidades estão
abarrotadas de veículos, o trânsito transformou-se num caos e o
número de acidentes com mortes continua crescente.
O Distrito Federal deve
entrar 2013 com uma frota em torno de 1,5 milhão de veículos. Em
outras palavras, chegaremos à cifra assustadora de um veículo para
no máximo duas pessoas. Ao longo dos 52 anos de existência de
Brasília, os semáforos se multiplicaram, as avenidas largas
tornaram-se estreitas, os engarrafamentos aumentaram, assim com o
estresse e o número de acidentes.
O governo Agnelo, desde
os primeiro dias de trabalho, tem caminhado na direção certa com
relação à melhoria do transporte público, tomando decisões
corretas e corajosas, como a de abrir licitação para a implantação
de novo sistema de transporte coletivo. Aprovou o Plano Diretor de
Transporte Urbano, que é o norte e o parâmetro legal para qualquer
melhoria que se queira fazer, tirou das mãos dos empresários o
controle financeiro do sistema e acabou com as filas do passe-livre
estudantil.
Mais de R$ 2,5 bilhões
estão sendo investidos no sistema viário, o que já provocou a
diminuição considerável de acidentes em vias então consideradas
“da morte”, como a EPTG e o Eixo Rodoviário (Eixão), entre
outras. As faixas exclusivas para os ônibus já estão beneficiando
trabalhadores que se utilizam desse transporte, com economia de tempo
de 30 a 40 minutos, dependendo do trajeto. Nossa participação e
nosso compromisso com o Pacto da Mobilidade Urbana, lançado pelo
governo Dilma, são cada vez maiores, de forma a garantir que o
projeto urbano tenha, além de mobilidade, acessibilidade e
sustentabilidade.
Por causa das
dificuldades encontradas no início do nosso governo, principalmente
as de ordem jurídicas, sempre fomos muito corretos em afirmar que
melhorias no transporte público só começariam a ser realmente
sentidas pela população a partir de 2013. Desatados os principais
nós, podemos assegurar hoje que caminhamos de forma firme e decidida
para a conquista dessa meta.
Por esse motivo e
também porque nossa opção desenvolvimentista não mudou – pelo
contrário, continuamos a criar incentivos para que a indústria
automobilística produza e venda mais veículos –, acreditamos ser
importante agregar a esse processo, a partir de agora, uma discussão
ampla e irrestrita com a sociedade sobre a nossa engenharia de
trânsito.
Temos que definir, de
preferência ainda neste semestre, que tipo de soluções quereremos
para Brasília. Principalmente a partir do momento em que a cidade
passar a contar com transporte público de qualidade. Quantos e onde
estacionamentos deverão ser construídos? Serão pagos, como o são
na maioria das grandes cidades dos países desenvolvidos? Rodízio e
pedágios urbanos são compatíveis com a realidade de Brasília?
A partir do momento em
que tivermos transporte coletivo de qualidade, com ônibus novos
circulando em horários precisos e adequados, devidamente controlados
por GPS, mesmo assim, o cidadão ainda terá o direito de optar pelo
transporte individual. Os custos decorrentes dessa opção, no
entanto, não podem ser socializados, via impostos, para que todos
paguem – inclusive aqueles que fizerem opção pelo transporte
coletivo. A escolha do transporte individual é legítima, mas, com
certeza, tem um custo que precisa ser equacionado com a sociedade.
Este semestre é o
tempo ideal para tirarmos essa discussão dos bastidores e trazê-la
para instituições da sociedade, como a Câmara Legislativa, o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o
Ministério Público, associações, sindicatos, lideranças
comunitárias e partidárias. Ao governo, caberá ouvir, estimular o
debate, colher sugestões, subsídios e viabilizar soluções. Com a
palavra, a sociedade.