(Artigo publicado originalmente na edição de hoje do Correio Braziliense, a respeito da intervenção do Governo do Distrito Federal em três empresas de transporte coletivo urbano do Grupo Amaral)
por Paulo Cesar Marques da Silva*
A assunção pelo GDF de empresas prestadoras do serviço de transporte público coletivo foi, sem dúvida, uma grande surpresa para a maioria da população do Distrito Federal e, arrisco supor, de todo o Brasil. Afinal, desde o fim da década de 1980 e mais acentuadamente a partir do início do governo Collor, em 1990, a onda de políticas neoliberais afastou o Estado brasileiro, em suas três esferas, do controle de vários serviços públicos, entre os quais destacam-se os de transporte urbano. O Brasil importava, assim, os então celebrados modelos adotados emblematicamente por Margaret Thatcher, no Reino Unido, e Augusto Pinochet, no Chile, entre outros.
É verdade que o longo registro de serviços mal prestados já dera fortes sinais em nosso país, o que havia levado o governador Leonel Brizola a encampar operadoras no Rio de Janeiro em 1985 e a prefeita Luíza Erundina a aprovar na Câmara de Vereadores a lei de municipalização do transporte urbano paulistano. A avalanche neoliberal, no entanto, a mesma que extinguiu a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), soterrou as iniciativas de genuíno interesse público, fazendo prevalecer o discurso da ineficiência do Estado e da excelência da iniciativa privada.
Se o transporte coletivo, a despeito das honrosas exceções que confirmavam a regra, já não era grande coisa na maioria das cidades brasileiras, tratá-lo meramente com as leis do mercado levou-o às condições críticas que a população do Distrito Federal conhece tão de perto. Aqui, com intensidade ainda maior que em outros lugares, os serviços de transporte por ônibus concentraram-se nas mãos de poucos — no caso específico, três famílias — e atingiram níveis de degradação inimagináveis, se não fossem tão reais. Tudo em nome da escancarada acumulação primitiva de capital, não importando o que sofrem os usuários.
A força política desses grupos conseguiu manter o poder público longe de seus “negócios”, a ponto de os órgãos governamentais mal terem acesso aos dados operacionais (horários e itinerários praticados, por exemplo), e menos ainda aos valores de receitas e custos do sistema.
Em tal contexto, as iniciativas anunciadas no início do atual governo surgiram como um alento, uma demonstração de necessária e salutar vontade política para resgatar o papel de gestor do sistema para o Estado, ainda que houvessem suscitado compreensível ceticismo. De todo modo, os anúncios se materializaram, por exemplo, com o desmantelamento do escabroso esquema da Fácil, a deflagração do processo licitatório e a tenacidade em sustentá-lo nas esferas administrativas e judiciais contra as indecentes investidas dos que se acham donos do “negócio”.
Diante desse quadro, todos nós, cidadãos de bem do DF, temos motivos para torcer pelo sucesso da noticiada assunção e, na medida de nossas possibilidades, ajudar a fazer dar certo a gestão do serviço no interesse público. Se efetivamente der certo, a surpresa que a medida nos causou na manhã desta segunda-feira, em breve, será substituída por outra: por que demorou tanto?
(*) Professor do programa de pós-graduação em Transportes da Universidade de Brasília (UnB)
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
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