"Carro fica 10% mais barato a partir de hoje." A notícia parece boa, mas é na verdade um presente de grego. Incapaz de dar solução sustentável para os problemas da mobilidade urbana, o governo federal aposta na pior das opções: o carro. O sistema de transporte - esse monumento à negligência com a população -, é deficiente em todas as cidades brasileiras e precário na maioria delas. Faltam ao sistema pontualidade, segurança, conforto, frequência, acessibilidade, tarifa justa e competitiva com os outros modos de transporte. Corolário: todos querem fugir dos ônibus, que seja para um carrinho velho, caindo aos pedaços, ou uma motocicleta, mesmo que isso signifique riscos no trânsito.
Com a redução de impostos e o aumento da oferta de crédito, o governo dá mais um empurrão para a solução individual de transporte nesse %u201Csalve-se quem puder%u201D. Errou em cheio. Primeiro, porque dá um tiro no próprio pé. Abrirá mão de uma soma considerável de impostos %u2014 segundo apurou o Correio Braziliense, algo da ordem de R$ 2,7 bilhões. Obviamente, as áreas de saúde, educação e segurança, que não andam bem, poderiam se beneficiar com esses recursos. Segundo, porque impõe à sociedade um aumento de custos sociais, econômicos e ambientais decorrentes da mobilidade que poderiam ser evitados.
Os itens da fatura virão em forma de poluição, congestionamentos, desastres de trânsito e a consequente conta no hospital, demanda por mais viadutos, estacionamentos, sinalização, alargamento de ruas e avenidas. As já escassas áreas verdes terão de dar passagem aos novos carros, senhores do espaço público. Os pedestres ficarão ainda mais espremidos nas calçadas, e para atravessar uma rua terão de enfrentar uma frota de veículos mais densa, mais compacta e ainda mais agressiva.
Em terceiro lugar, quem vai pagar pelo equívoco do governo será a %u201Cnova classe média%u201D. Parece que ela será a vítima preferencial, que, por ter o privilégio de escapar dos ônibus superlotados, inseguros, caros e sem pontualidade, trocará o aperto da viagem pelo aperto financeiro. O carro custará o financiamento do banco, o IPVA, o seguro obrigatório, a gasolina, a troca de óleo, as manutenções. Breve, o novo cidadão motorizado descobrirá que excedeu a velocidade em algum momento ou estacionou em local proibido. O valor da multa será uma punhalada no orçamento familiar. Silenciosamente, os pneus custam cerca de três míseros centavos por quilômetro, mas chegará o dia de pagar a conta. E acumulada.
Nesse momento, ele entenderá o que significa depreciação: o valor do seu carro não é mais o mesmo; e a diferença, deverá contabilizar como prejuízo. Como a sua excelência o automóvel não aceita dormir na rua, reivindicará o maior quarto da casa, e com um nome especial: garagem. Provavelmente, esse brasileiro ainda não fez as contas, mas gastará cerca de R$ 1 mil por mês com a mobilidade, cinco vezes mais que antes. Ou seja, o governo, que deveria investir em transporte público para a população, transferiu a conta para o bolso do cidadão.
Por ser um veículo não poluente, barato, eficiente, que não ameaça os outros e ainda melhora a saúde de quem o utiliza, dos R$ 18 bilhões que serão liberados pelo BNDES para a %u201Cmobilidade%u201D, a bicicleta receberá um gigantesco nada. Ao lado dos pedestres, os ciclistas continuarão acuados em um espaço cada vez mais exíguo. Quem anda a pé, de bicicleta ou transporte público no Brasil não merece investimentos, consideração nem respeito.
Em resumo, as novas medidas de incentivo à compra de carros representam perdas para o governo, para a sociedade e para o cidadão. Porém, sabemos todos, onde há perdedores, há ganhadores. As montadoras que venderão os carros estão felizes e os bancos que farão os financiamentos, mais ainda. E torcem para a deterioração do já precário sistema de transporte público. É a turma do quanto pior, melhor. Agora com patrocínio governamental.
Um comentário:
A cara do que foram os últimos governo no setor transporte: divisão "equitativa" de um modelo isustentável.
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