Um projeto de tarifa zero para o DF
(Publicado no Correio Braziliense, 30/01/2015)
» PAULO CESAR MARQUES DA SILVA
Professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), doutor em estudos de transportes pela University College London (Inglaterra)
Em 23 de janeiro, o Movimento Passe Livre do Distrito Federal protocolou no Palácio do Buriti e na Câmara Legislativa uma proposta de projeto de lei que institui a Tarifa Zero para o transporte coletivo local. Pelo menos foi assim que deram a notícia os poucos veículos de comunicação que se dignaram a fazê-lo. A realidade, no entanto, é que a proposta vai bem além da eliminação do pagamento do serviço pelo usuário.
A Tarifa Zero entrou na agenda do GDF a partir das jornadas de rua de 2013. O ex-governador Agnelo Queiroz e os ex-secretários de transportes, José Walter Vásquez, e de governo, Gustavo Ponce de Leon, comprometeram-se com o debate e a análise da proposta, eventos foram realizados, um grupo de trabalho foi constituído no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, mas nada de concreto evoluiu.
Sabe-se que existiam posições favoráveis e contrárias dentro do governo que terminou em dezembro, mas nenhum estudo veio a público. O imobilismo de governantes, parlamentares e outros setores, por falta de outra explicação mais convincente, sempre se escorou em alegações de insustentabilidade econômica, formuladas dentro da mesma lógica de prestação dos serviços de transporte que preserva os atuais modelos de concessão e remuneração aos operadores.
As reivindicações das pessoas nas ruas em 2013 estavam muito longe da ideia de perpetuação dos modelos vigentes de prestação dos serviços públicos (pelo menos na definição legal). Ainda que de forma um tanto difusa, o “padrão Fifa” de qualidade assemelhava-se muito mais à reformulação completa da estrutura de oferta desses serviços do que a mero aprimoramento da gestão, como a grande imprensa e os representantes dos partidos da ordem trataram de interpretar.
Um dos maiores méritos da proposta com que o MPL respondeu a tamanha inapetência institucional é o que reformula todo o sistema, resgatando a natureza essencial de serviço público. Público, não estatal. O sistema de transporte seria gerido em todas as dimensões por conselhos constituídos de representantes da sociedade, dos trabalhadores nos serviços e dos gestores e operadores, mas estes últimos não estariam em maioria nem teriam direito a voto, só a voz. Os papéis seriam de servidores públicos, no conceito original do termo.
É evidente que tais aspectos significariam uma profunda mudança paradigmática, com reflexos na gestão das cidades como um todo — não só as do DF, nem apenas no que diz respeito a mobilidade. Esse é um debate absolutamente necessário e urgente. A legislação federal (Lei nº 12.587/2012) estipula um prazo, que se esgota em 90 dias, para a implantação do controle social e aparticipação popular na formulação de políticas e gestão da mobilidade nas cidades. Os modelos de gestão urbana hoje praticados deram provas mais do que suficientes de falência.
Um segundo mérito da proposta, que a diferencia de o tudo o que já se fez por aqui até hoje, é levar o DF a assumir responsabilidade de protagonista em área metropolitana. É um tema com que todo mundo concorda, mas do qual ninguém assume cuidar. O MPL apresenta toda uma concepção de serviço abrangendo não apenas o quadrilátero do DF, mas toda a Região Integrada de Desenvolvimento Econômico (Ride). Portanto, não bastaria aprovar o projeto na Câmara Legislativa. Longe de representar um impedimento, tal condição só acentua a necessidade de se estabelecer um debate amplo e participativo com toda a população que vive, não importa de que lado de cada limite, no espaço municipal, estadual ou distrital.
O caminho é longo, mas foi dado o primeiro passo. O MPL, seguindo a trajetória, certamente intensificará a mobilização em torno da proposta, na esteira da resistência ao prenunciado reajuste tarifário. Ao governador Rollemberg e a pelo menos cinco dos atuais deputados distritais convém lembrar que, durante a campanha eleitoral do ano passado, assinaram Carta Compromisso com a Mobilidade Sustentável, cujo texto inclui “desonerar gradativamente o usuário do transporte coletivo do custeio do sistema de transporte, por meio da integração universal e irrestrita com financiamento não tarifário do sistema, visando a futura implementação da tarifa zero”.
» PAULO CESAR MARQUES DA SILVA
Professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), doutor em estudos de transportes pela University College London (Inglaterra)
Em 23 de janeiro, o Movimento Passe Livre do Distrito Federal protocolou no Palácio do Buriti e na Câmara Legislativa uma proposta de projeto de lei que institui a Tarifa Zero para o transporte coletivo local. Pelo menos foi assim que deram a notícia os poucos veículos de comunicação que se dignaram a fazê-lo. A realidade, no entanto, é que a proposta vai bem além da eliminação do pagamento do serviço pelo usuário.
A Tarifa Zero entrou na agenda do GDF a partir das jornadas de rua de 2013. O ex-governador Agnelo Queiroz e os ex-secretários de transportes, José Walter Vásquez, e de governo, Gustavo Ponce de Leon, comprometeram-se com o debate e a análise da proposta, eventos foram realizados, um grupo de trabalho foi constituído no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, mas nada de concreto evoluiu.
Sabe-se que existiam posições favoráveis e contrárias dentro do governo que terminou em dezembro, mas nenhum estudo veio a público. O imobilismo de governantes, parlamentares e outros setores, por falta de outra explicação mais convincente, sempre se escorou em alegações de insustentabilidade econômica, formuladas dentro da mesma lógica de prestação dos serviços de transporte que preserva os atuais modelos de concessão e remuneração aos operadores.
As reivindicações das pessoas nas ruas em 2013 estavam muito longe da ideia de perpetuação dos modelos vigentes de prestação dos serviços públicos (pelo menos na definição legal). Ainda que de forma um tanto difusa, o “padrão Fifa” de qualidade assemelhava-se muito mais à reformulação completa da estrutura de oferta desses serviços do que a mero aprimoramento da gestão, como a grande imprensa e os representantes dos partidos da ordem trataram de interpretar.
Um dos maiores méritos da proposta com que o MPL respondeu a tamanha inapetência institucional é o que reformula todo o sistema, resgatando a natureza essencial de serviço público. Público, não estatal. O sistema de transporte seria gerido em todas as dimensões por conselhos constituídos de representantes da sociedade, dos trabalhadores nos serviços e dos gestores e operadores, mas estes últimos não estariam em maioria nem teriam direito a voto, só a voz. Os papéis seriam de servidores públicos, no conceito original do termo.
É evidente que tais aspectos significariam uma profunda mudança paradigmática, com reflexos na gestão das cidades como um todo — não só as do DF, nem apenas no que diz respeito a mobilidade. Esse é um debate absolutamente necessário e urgente. A legislação federal (Lei nº 12.587/2012) estipula um prazo, que se esgota em 90 dias, para a implantação do controle social e aparticipação popular na formulação de políticas e gestão da mobilidade nas cidades. Os modelos de gestão urbana hoje praticados deram provas mais do que suficientes de falência.
Um segundo mérito da proposta, que a diferencia de o tudo o que já se fez por aqui até hoje, é levar o DF a assumir responsabilidade de protagonista em área metropolitana. É um tema com que todo mundo concorda, mas do qual ninguém assume cuidar. O MPL apresenta toda uma concepção de serviço abrangendo não apenas o quadrilátero do DF, mas toda a Região Integrada de Desenvolvimento Econômico (Ride). Portanto, não bastaria aprovar o projeto na Câmara Legislativa. Longe de representar um impedimento, tal condição só acentua a necessidade de se estabelecer um debate amplo e participativo com toda a população que vive, não importa de que lado de cada limite, no espaço municipal, estadual ou distrital.
O caminho é longo, mas foi dado o primeiro passo. O MPL, seguindo a trajetória, certamente intensificará a mobilização em torno da proposta, na esteira da resistência ao prenunciado reajuste tarifário. Ao governador Rollemberg e a pelo menos cinco dos atuais deputados distritais convém lembrar que, durante a campanha eleitoral do ano passado, assinaram Carta Compromisso com a Mobilidade Sustentável, cujo texto inclui “desonerar gradativamente o usuário do transporte coletivo do custeio do sistema de transporte, por meio da integração universal e irrestrita com financiamento não tarifário do sistema, visando a futura implementação da tarifa zero”.
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