terça-feira, 19 de março de 2013

Os dados pouco confiáveis do trânsito brasileiro

Não há qualquer novidade na constatação de que não dispomos de bases de dados consistentes e confiáveis, capazes de bem subsidiar a análise e embasar a proposição de medidas que ataquem a catástrofe que é a segurança no trânsito brasileiro. O que me surpreendeu mesmo foi a conta feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em relatório recém publicado.

O erro chamou minha atenção quando os números me foram apresentados pela jornalista Julia Chaib, ao me entrevistar por telefone ontem para a matéria publicada hoje no Correio Braziliense. Nela aparece a taxa de 22,5 mortos para cada 100 mil habitantes em 2010. Mas também aparece o quadro com o número de 36.499 mortos para uma população de 194.946.488, o que resultaria numa taxa de 18,7/100 mil habitantes.

Tal diferença significa muito pouco em termos do ranking que é mostrado na mesma matéria: sairíamos da 148a. para algo em torno da 100a. posição, ainda atrás de muitos de nossos vizinhos sulamericanos, por exemplo. Entretanto, a correção corroboraria a análise que temos feito com base nas estimativas mais divulgadas.

Com efeito, a Política Nacional de Trânsito (PNT) formulada em 2004 estimou uma taxa de 18 mortos/100 mil habitantes naquele ano e estabeleceu em suas metas a redução para 17 em dezembro de 2006, 14 em dezembro de 2010 e 11 em dezembro do ano que vem. No meio do caminho o Brasil se comprometeu com a meta da Organização das Nações Unidas (ONU), de reduzir as mortes à metade até o final da década iniciada em 2011. Mas estamos estagnados em 18 há uma década.

É verdade que 22 e 18 são números muito ruins, porque muito altos. É verdade também que, no ritmo em que estamos, vamos passar a vergonha de fechar a Década de Ações da ONU como se não fôssemos signatários do pacto mundial pela redução das vítimas. Mas conhecer bem a realidade é sempre um bom ponto de partida para transformá-la.

E, por falar em conhecer a realidade, que tal se nossas autoridades gastassem meia hora para (re)ler a PNT, que na prática foi abandonada na maternidade? Creio que temos ali um bom roteiro de ações...

3 comentários:

Cynthia disse...

Pior é que parece que nos acostumamos a "comprometimentos" / promessas não levadas a cabo. Ou, talvez pior ainda, quando manipulam-se os dados para "parecer" ter alcançado ou estar alcançando as metas...

Victor Pavarino disse...

Olá, Paulo;
Pelo que vi no relatório os dados informados pela comissão brasileira presidida pelo Ministério da Saúde foram os de 2009 (36.499) disponíveis à época da coleta, e este número para 2010 foi estimado/projetado para 2010 como 43.869 (daí o 22.5) – confira na Tabela A2, pg. 244 do Relatório. Estes 43 mil parecem estrar bem próximos ao que de fato informou o MS para 2010, mais tarde.
O relatório tem a parte que explica a metodologia com detalhes (creio que usaram regressão binomial negativa ou algo assim para as projeções). A metodologia também (p.45) também lembra que dados de diferentes países não são necessariamente comparáveis por haver diferentes definições em (por exemplo) o que é informado por países como óbito no trânsito (no local: em 30 dias, indefinidamente...). Mas como midiaticamente os rankings são irresistíveis acaba havendo comparação de dados com diversos níveis de rubustez.
Muito (não tudo, mas em parte) da piora nos nossos índices sei que vem, ironicamente, do empenho efetivo do Ministério da Saúde em qualificar mais os dados (o que aparecia como “causa indefinida”, etc, e agora é relatado como tR6ansito). Isto, como se vê, tem um preço. Mas é fato que ficamos na metade dos países que não parou nem diminuiu as mortes – resultado que refletiu bem os países de media renda em ascensão. A situação está longe de ideal.

PS.: fiz um post no site da OPAS tentando resumir algo do relatório. Nele pus os links para o material completo. Confira aqui: http://new.paho.org/bra/.
Abs,
Victor

Paulo Cesar disse...

Caro Victor,
Obrigado pelo esclarecimento!
De todo modo, ficam duas constatações. A primeira, de que ainda temos um longo caminho até conseguirmos produzir bons dados. A segunda, de que as ações não podem esperar esse dia.
Forte abraço,
Paulo Cesar