TRÂNSITO »
Desafio à morte em 2 rodas
Motociclistas não respeitam a sinalização, os limites de velocidade nem se intimidam diante dos graves acidentes. Essas são algumas das conclusões da pesquisa feita com 672 profissionais que trabalham na cidade
ADRIANA BERNARDES
Publicação: 10/06/2013 04:00
Werner já sofreu dois acidentes no corredor: "Não tem quem não faça" |
O semáforo fecha. Um a um, os carros param e formam longas filas. Em questão de segundos, os motociclistas surgem. Usam o espaço estreito entre um veículo e outro. Para ganhar alguns centímetros de asfalto, amontoam-se debaixo do semáforo. A luz mal fica verde e eles arrancam. Hábitos que caracterizam comportamento de risco no trânsito. No Distrito Federal, condutas assim foram constatadas em uma pesquisa com 672 motociclistas.
De uma lista de 43 comportamentos arriscados, o excesso de velocidade, o corredor e a costura entre os veículos foram admitidos com maior frequência entre os entrevistados. Além disso, ficou provado que quem usa a moto como instrumento de trabalho se arrisca mais. Quanto menor é a renda, mais o motociclista conduz a moto de forma perigosa. O estudo, de autoria de Paulo Victor Hermetério Pinto, resultou em uma dissertação de mestrado em transportes do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília. A tese acaba de ser defendida e prova, cientificamente, a imprudência vista nas ruas.
O que mais surpreendeu o autor do estudo foi o alto índice de recorrência de comportamentos de risco entre os motofretistas. Segundo o pesquisador, a literatura mostra uma tendência desse grupo de se expor mais ao perigo, e, no DF, não é diferente. “Isso se deve às características da profissão, como a relação direta entre a remuneração e a quantidade de entregas realizadas”, explica.
Para avaliar a conduta dos motociclistas nas vias, os entrevistados responderam a 43 perguntas sobre a rotina no trânsito. Todas as questões são consideradas arriscadas. As condutas mais relatadas estão ligadas ao desrespeito aos limites de velocidade. E, em alguns casos, como a pergunta sobre o hábito de dirigir alcoolizado, o resultado foi pequeno. Mas, em relação a esse item, Paulo Victor considera haver distorções e supõe: “A pessoa se sente constrangida em admitir”.
Nas ruas, é fácil comprovar as constatações do estudo. Em apenas 30 minutos, a reportagem presenciou quatro motociclistas avançarem o sinal vermelho do cruzamento da W3 Sul, na altura do Pátio Brasil. Antes de cometer a infração, eles “costuraram” entre os carros parados e trafegaram pelo corredor.
Rotina
Motociclista profissional há cinco anos, Werner Alves, 25, narra, sem meias palavras, a rotina em cima de duas rodas. “A gente passa em cima da calçada, sobe no meio fio, passa entre os blocos, anda acima da velocidade, não tem jeito. Tem que correr contra o tempo”, assume. Na briga contra o relógio, atropelando as normas seguras de circulação Werner já sofreu dois acidentes, os dois quando fazia “corredor”. Por sorte, saiu sem ferimentos graves. “Não tem ninguém (motociclista) que não faça. Até quem usa a moto só para ir trabalhar”, diz. No último ano, Werner enterrou dois colegas de profissão. “Na hora, dá vontade de parar. Mas, depois, você acaba esquecendo. A profissão é muito perigosa, mas é melhor do que ficar atrás de um balcão. Nas ruas, você está livre, e o salário não é tão ruim”, justifica.
Na pesquisa, Paulo Victor destaca que os motociclistas têm 34 vezes mais chances de se envolver em acidente do que outro tipo de condutor e, oito vezes mais chance de ter ferimentos graves. Chama a atenção o fato de os estudos americanos revelarem que, em 80% dos casos, os acidentes têm relação direta com o fator humano e não com as condições da via ou adversidade do clima, por exemplo.
Presidente da Federação Nacional dos Motociclistas Profissionais e do Sindicato dos Motociclistas de Brasília, Reivaldo Alves concorda com o resultado do estudo. Ele diz que a precariedade das relações de trabalho tem relação direta com a imprudência. “Muitos trabalham na informalidade para várias empresas ao mesmo tempo, e são remunerados por serviço feito. Assim, quanto mais entregas fazem, mais ganham. E, aí, acontece todo tipo de coisa”, diz.
Segundo o sindicalista, cerca de 30 mil pessoas no Distrito Federal atuam como motociclistas profissionais. Desse total, no máximo 2 mil têm carteira assinada. Nesses casos, o piso é de R$ 800. Mas o trabalhador ganha mais R$ 301 pelo aluguel da moto e R$ 12 de vale alimentação por dia, além do seguro de vida. “Somando tudo, dá uns R$ 1,4 mil. Quem não tem carteira assinada, recebe até mais do que isso. No entanto, não tem garantia nenhuma”, pondera. Para Reivaldo, as imprudências serão combatidas com um trabalho sério de educação e de combate à informalidade.
Professor Paulo Victor: quanto menor a renda, mais o motociclista dirige de forma perigosa |
Motoqueiro passa ao lado de um acidente com outro profissional. Segundo o estudo , o comportamento de risco é mais comum entre os que usam a moto para trabalhar |
Hábitos perigosos são recorrentes
No Distrito Federal, os acidentes fatais envolvendo motos representam um terço de todos os casos em que há morte, e os registros estão aumentando em relação às ocorrências com outros tipos de veículos. De 2011 para 2012, houve uma queda de 13% no número de acidentes sem moto, mas foi registrado crescimento de 28% nas ocorrências com moto. Foram 122 mortes, sendo que, 103 vítimas ocupavam a moto. O autor do estudo sobre o comportamento de risco dos motociclista, Paulo Victor Hermetério Pinto diz não ser possível determinar quais são os hábitos mais perigosos. Para isso, seria necessário estudar as condutas envolvidas em acidentes fatais e eleger as mais letais, o que não é objeto do estudo dele.
O professor Paulo César Marques, orientador da pesquisa, diz que o mais surpreendente do estudo é a confirmação de que o comportamento de risco é mais recorrente entre os que utilizam a moto como instrumento de trabalho. “As relações de trabalho expõem o motofretista a condições inseguras de circulação, e isso é parte do próprio trabalho deles”, diz. Segundo ele, em outras palavras, quando o serviço dos motoboys é contratado, pela empresa ou pelo cliente que quer a pizza quentinha, está embutida a necessidade de exposição a riscos demasiados para que os prazos sejam cumpridos.
Para Paulo Victor, as constatações da pesquisa podem servir para subsidiar a elaboração e o aprimoramento de políticas públicas. “A partir dos resultados, é possível criar campanhas de prevenção de acidentes relacionados aos hábitos recorrentes e criar diretrizes para a elaboração de cursos de capacitação dos usuários. Também é uma ferramenta útil para orientar a fiscalização de forma mais eficiente”, acredita.
Paulo César Marques acrescenta que, além das campanhas educativas, é preciso rever a regulamentação dos serviços de motofrete. Ele destaca que, quando a profissão foi regulamentada, o foco ficou apenas na qualificação do motociclista. “Mas as relações de trabalho em si não foram objeto de normatização. Não há responsabilização de quem contrata o motofretista para fazer uma viagem dentro de um intervalo de tempo que, para ser cumprido, necessariamente levará o motociclista a cometer infrações”, detalha.
Na avaliação de Dirceu Rodrigues Alves Júnior, diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), só haverá redução das mortes e lesões entre os motociclistas quando o governo conseguir conscientizá-los sobre os riscos e mudar a cabeça dos usuários. “Também é preciso fiscalizar e punir severamente os infratores, com multas semelhantes às da lei seca (R$ 1,9 mil)”, defende.
Nenhum comentário:
Postar um comentário