segunda-feira, 14 de junho de 2010

“Persuasão” de trânsito?



No relatório da OMS de 2004, a forma com que a educação de trânsito foi escanteada mereceu desaprovações indignadas de muitos dos que militam na área. Não sei em que medida este posicionamento do relatório refletia um descrédito nas limitações desta educação (escrevi uma vez sobre isso em 2009), ou se há, de fato, uma confusão sobre o que seria educação de trânsito, ou ainda educação propriamente dita.

Leonard Evans, renomado especialista em segurança no trânsito (particularmente no que concerne aos acidentes automobilísticos) faz algumas considerações (polêmicas?...) acerca das ações que costuma ser creditadas nesse impreciso guarda-chuva da educação.
O trecho do livro de Evans que transcrevo abaixo (tradução/versão que fiz rapidamente – portanto, dêem um desconto...) me traz uma dúvida. Seria a ação dos que lidam com o tema, nos Detrans, Denatran, órgãos municipais, Câmara Temática de Educação etc a de “persuadidores” de trânsito?...

Educação e persuasão
O papel comum da educação é transmitir conhecimentos. E à medida que a falta de informação não constitui a essência dos acidentes de trânsito, os benefícios para a segurança advindos da educação são limitados. Essa conclusão tende a estimular a noção de que a persuasão é igualmente ineficiente. O problema é que a palavra persuasão tem conotações pejorativas, de modo que o termo educação (algo que se sabe relativamente ineficiente) é utilizado em substituição. No outro extremo, utilizar a palavra propaganda implicaria em sua imediata rejeição.

Os esforços no sentido de persuadir incluem, em geral, informação. Por exemplo, as tentativas de persuadir motoristas a usarem o cinto de segurança devem mencionar, de maneira adequada, que os cintos reduzem riscos, que usá-los é uma obrigação legal, ainda que estes fatos já sejam muito bem conhecidos por todas as pessoas que não usam os cintos.

A publicidade é bem sucedida em persuadir as pessoas a fazerem todo tipo de coisa que, de outra forma, não fariam. Ainda assim, é difícil demonstrar mudanças de comportamento específicas, resultantes de campanhas publicitárias. Afirmar que não se pode mudar a maneira como as pessoas dirigem pelos mesmos métodos conhecidos por modificarem outros comportamentos é insustentável. Os ganhos potencialmente significativos, mas incertos, que se obtêm a partir de se persuadir condutores a agirem de modo diferente parece-me investimento melhor do que modificações pequenas e dispendiosas na engenharia veicular que não produzem benefícios significativos o bastante(...)

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá, Victor,

O Leonard Evans é um engenheiro - daquela categoria "engenheirão". O que ele escreve é, portanto, um drama de engenheiro.

Há alguns anos assisti a um debate de horas em torno da idéia de reforçar entre os agentes de trânsito o papel de educador. Mas poderia o agente ser um educador, ou seria ele apenas um orientador? E o debate seguiu até que se concluísse que era melhor que o agente fosse apenas agente.

É muito fraca a elaboração do Evans sobre o papel da educação, muito embora ela aponte para a fragilidade ou inexistência de indicadores QUANTITATIVOS que permitam avaliar o resultado da educação no que se refere estritamente à ocorrência de colisões, ferimentos e mortes. Essa é uma fragilidade mundial e por aqui é menos do que isso - simplesmente a educação para o trânsito ignora a avaliação do que se faz.

Não decorre disso a inutilidade da educação para o trânsito e, menos ainda, que se lha reduza a um esforço de persuação. Que bobagem isso! TODA educação é persuação, toda persuação é um jogo de informações (e algumas contra-informações cruciais). Os educadores, entretanto, são péssimos comunicadores - pior ainda quando desusam os recursos multimídias (a chamada "death-by-powerpoint").

Victor Pavarino disse...

Yeap. Além de as demandas e lacunas por lá serem diferentes, Educação de (ou para/em/no)Trânsito é algo até difícil de ter um entendimento e tradução/versão legítima em inglês ("traffic education", além de esquisito, soa péssimo. Parece coisa de traficante. Os hermanos resolvem melhor isso com o termo com "educación vial").

Mas talvez seja questão de entender o que é (ou pode ser) "educação mesmo.

O Evans, por fim, se fia muito em quantificações - o que, convenhamos, é de fato muito importante, particularmente para quem gere e gasta dinheiro público.

Ele chaga mesmo a dizer que "fazer ciência é quantificar". Vá lá. Também penso que quantificar é - muito - importante. Mas, mais que isso, acho que ciência está mais para saber interpretar as quantificações. Mais: saber o que, e porque quantificar isto, e não aquilo. Se não é só técnica. Vira aquele monte de número. Ou, como, já se disse, uma "prática" louca para achar uma boa teoria.

abs
Victor

Anônimo disse...

Bingo! O excelente SPSS e um par de estatísticos quantifica qualquer coisa. Ah! A beleza de uma regressão! Ah! Que correlação linda! rararaarra. O que SIGNIFICAM os números é que são elas - está mais para arte do que ciência. Como bem sabemos, quantifica-se o que se quiser para se dizer o que melhor servir... Existe uma política da quantificação.

Victor Pavarino disse...

É isso. Sabemos que, por aqui, uma demanda histórica dos que militamos pela segurança no trânsito é a tal disponibilidade de "estatísticas confiáveis".

Pois bem, o próprio Evans (no outro livro, que líamos no Sarah)dizia que o trânsito (lá nos EUA) era uma das áreas que mais tinha dados (confiáveis)... mas que menos trazia informação...

Fico pensando qual será o problema que elegeremos como óbice às ações efetivas depois que (quem sabe um dia) dispusermos definitivamente de dados confiáveis no Brasil.

Vai ser igual à situação daquela piada: o problema não é declaramos guerra aos Estados Unidos. O problema é - o que a gente vai fazer se a gente ganhar...

Uma teoriazinha pro ceguinho, pelo amor de Deus...