quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Cinco años para actuar - De peatones a ciudadanos

Depois de um longo silêncio...

Por absoluta coincidência, havia comentado ontem de manhã em sala de aula que a definição de "pedestres" só faz sentido em oposição à condição de ocupantes (condutores ou não) de veículos motorizados. Eis que à noite, lendo meu correio eletrônico, sou levado a este interessante texto pela indicação do amigo Jonas Bertucci:

Cinco años para actuar - De peatones a ciudadanos:
'via Blog this'

O mesmo tema já havia merecido reflexão de meu saudoso primo José Maria no distante ano de 1973, como cheguei a postar aqui quatro anos atrás...

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Trânsito, bicicletas e delírio

(O texto que segue foi publicado na edição impressa do Correio Braziliense de hoje e está acessível a assinantes na internet. Reproduzo-o agora, quando o jornal já deve ter vendido tudo o que podia da edição.)


Trânsito, bicicletas e delírio

Publicação: 02/07/2012 04:00

Os que cultivam o hábito de transitar pelas vias públicas a pé ou em bicicletas têm aguda consciência de que o trânsito é um ambiente de risco. Trafegar por ruas, avenidas e estradas é um exercício que deveria exigir cautela, paciência, atenção. Sempre redobradas. Mas, na realidade, essas não são as características prevalentes. Muitos dos que se locomovem pelas vias públicas tornam-se — por razões diversas, que vão da pressa à inconsequência absoluta — insensatos.

Psicólogos de profissão e de mesa de botequim teorizam que pessoas comuns, quando atrás do volante, se transformam, por motivos variados, em bestas capazes de lançar o veículo contra um cidadão desprotegido: um ciclista a trafegar no acostamento ou uma velhinha a atravessar na faixa. Os especialistas em trânsito sabem que garantir condições adequadas de trafegabilidade no sentido de mobilidade urbana, e não apenas em matéria de fluidez dos veículos automotores, implica a realização de obras de infraestrutura, oferta de educação e fiscalização efetiva. Tríade que já deveria ter sido complementada pela aplicação de punições exemplares aos que, dolosamente, fazem vítimas no trânsito.

No Brasil, a lei prevê a destinação dos recursos oriundos das multas para educação. Reza o parágrafo único do artigo 320 do Código de Trânsito: “O percentual de 5% do valor das multas de trânsito arrecadadas será depositado, mensalmente, na conta de fundo de âmbito nacional destinado à segurança e à educação de trânsito”. Apesar da preocupação do legislador, crianças em idade escolar, quando transversalmente submetidas a aulas de trânsito, são, na verdade, condicionadas para se tornarem motoristas, quando deveriam ser sensibilizadas para compreender que o tema exige mais do que habilidade ao volante.

É comum, no trânsito, pessoas sofrerem explosões de raiva. Sentimento que as deixa descontroladas. Quando ao volante, a raiva, ao desaguar em intransigência e induzir à vingança, prenuncia vítimas. Segundo o psicólogo Dolf Zillmann, da Universidade do Alabama, a raiva “promove uma ilusão de poder e invulnerabilidade que inspira e facilita a agressão”. É, porém, de uma simploriedade cristalina que o ser humano, por mais equilibrado que seja, estará, em algum momento de sua existência, submetido a algum tipo de pressão que o levará a sentir raiva.

Por ser essa uma verdade indiscutível, e na medida em que a raiva, ao assolar um motorista, é potencialmente destruidora, compete ao Estado, que dispõe de recursos para educação de trânsito, disciplinar, em relação ao que se deseja em termos de mobilidade urbana, o processo de formação de crianças e adolescentes. Uma formação que privilegie o autoconhecimento e, por natural extensão, o respeito à diversidade humana, deixando em segundo plano aulas teóricas sobre como trocar marchas, realizar ultrapassagens, sinalizar conversões.

Semelhante proposta é um delírio? Tudo indica que sim. Mas assim como o Código de Trânsito determina que da receita arrecadada com multas parte seja destinada à educação, também dispõe que o restante será aplicado em sinalização, engenharia de trânsito, de campo, policiamento e fiscalização. Lamentavelmente, assim como educação de trânsito não é um bem que esteja ao alcance das salas de aula, igualmente não o é a oferta de condições salubres de mobilidade urbana para todos os cidadãos brasileiros locomoverem-se a pé ou de bicicleta.

Wilson Teixeira Soares
Jornalista, ciclista, membro do grupo Coroas do Cerrado, conselheiro da Ong Rodas da Paz

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O desafio de Filippelli

Não é todo dia que vemos um governante do Distrito Federal vir a público fazer o desafio que fez o vice-governador Tadeu Filippelli em artigo publicado no Correio Braziliense de hoje. (O link só é acessível a assinantes, mas tomo a liberdade de reproduzir o texto abaixo neste final de dia, quando o jornal já não deve mais ter expectativa de vender exemplares nas bancas).

Acho ainda mais significativo que o desafio parta de um político que tem sua história de administrador fortemente associada a obras e, portanto, quando falamos de transporte, associada a intervenções de ampliação do sistema viário que acabam beneficiando o automóvel e estimulando o tráfego individual motorizado.

Sinceramente, não tenho o menor interesse em buscar as razões que levaram o vice-governador a lançar o desafio. Acho, sim, que cabe à sociedade do Distrito Federal aceitá-lo e refletir sobre o futuro do "quadrado", assumindo o protagonismo da mudança do paradigma de mobilidade urbana.

Aí vai o texto:



Dilema entre trânsito e transporte

TADEU FILIPPELLI
Vice-governador do Distrito Federal

Brasília nasceu do sonho de Juscelino Kubitschek de levar desenvolvimento econômico e social para as regiões mais distantes do litoral brasileiro. Eram os anos 1950, quando, além da bossa-nova, os ventos do progresso traziam de forma definitiva a indústria automobilística, a opção por estradas em vez de ferrovias e cidades que já surgiam com ruas e avenidas largas, de preferência sem semáforos e cruzamentos e poucas calçadas.

Esse modelo de desenvolvimento tornou-se realidade incontestável em nosso país, trazendo benefícios e também muitas mazelas. A indústria automobilística é responsável por cerca de 5% de todo o PIB nacional e por 23% do PIB da indústria brasileira. Embora nosso crescimento econômico atual seja baixo, o desemprego não ganhou força, e a indústria automobilística emprega, pelo menos, 3 milhões de pessoas em todo o país. Mas as cidades estão abarrotadas de veículos, o trânsito transformou-se num caos e o número de acidentes com mortes continua crescente.

O Distrito Federal deve entrar 2013 com uma frota em torno de 1,5 milhão de veículos. Em outras palavras, chegaremos à cifra assustadora de um veículo para no máximo duas pessoas. Ao longo dos 52 anos de existência de Brasília, os semáforos se multiplicaram, as avenidas largas tornaram-se estreitas, os engarrafamentos aumentaram, assim com o estresse e o número de acidentes.

O governo Agnelo, desde os primeiro dias de trabalho, tem caminhado na direção certa com relação à melhoria do transporte público, tomando decisões corretas e corajosas, como a de abrir licitação para a implantação de novo sistema de transporte coletivo. Aprovou o Plano Diretor de Transporte Urbano, que é o norte e o parâmetro legal para qualquer melhoria que se queira fazer, tirou das mãos dos empresários o controle financeiro do sistema e acabou com as filas do passe-livre estudantil.

Mais de R$ 2,5 bilhões estão sendo investidos no sistema viário, o que já provocou a diminuição considerável de acidentes em vias então consideradas “da morte”, como a EPTG e o Eixo Rodoviário (Eixão), entre outras. As faixas exclusivas para os ônibus já estão beneficiando trabalhadores que se utilizam desse transporte, com economia de tempo de 30 a 40 minutos, dependendo do trajeto. Nossa participação e nosso compromisso com o Pacto da Mobilidade Urbana, lançado pelo governo Dilma, são cada vez maiores, de forma a garantir que o projeto urbano tenha, além de mobilidade, acessibilidade e sustentabilidade.

Por causa das dificuldades encontradas no início do nosso governo, principalmente as de ordem jurídicas, sempre fomos muito corretos em afirmar que melhorias no transporte público só começariam a ser realmente sentidas pela população a partir de 2013. Desatados os principais nós, podemos assegurar hoje que caminhamos de forma firme e decidida para a conquista dessa meta.

Por esse motivo e também porque nossa opção desenvolvimentista não mudou – pelo contrário, continuamos a criar incentivos para que a indústria automobilística produza e venda mais veículos –, acreditamos ser importante agregar a esse processo, a partir de agora, uma discussão ampla e irrestrita com a sociedade sobre a nossa engenharia de trânsito.

Temos que definir, de preferência ainda neste semestre, que tipo de soluções quereremos para Brasília. Principalmente a partir do momento em que a cidade passar a contar com transporte público de qualidade. Quantos e onde estacionamentos deverão ser construídos? Serão pagos, como o são na maioria das grandes cidades dos países desenvolvidos? Rodízio e pedágios urbanos são compatíveis com a realidade de Brasília?

A partir do momento em que tivermos transporte coletivo de qualidade, com ônibus novos circulando em horários precisos e adequados, devidamente controlados por GPS, mesmo assim, o cidadão ainda terá o direito de optar pelo transporte individual. Os custos decorrentes dessa opção, no entanto, não podem ser socializados, via impostos, para que todos paguem – inclusive aqueles que fizerem opção pelo transporte coletivo. A escolha do transporte individual é legítima, mas, com certeza, tem um custo que precisa ser equacionado com a sociedade.

Este semestre é o tempo ideal para tirarmos essa discussão dos bastidores e trazê-la para instituições da sociedade, como a Câmara Legislativa, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Ministério Público, associações, sindicatos, lideranças comunitárias e partidárias. Ao governo, caberá ouvir, estimular o debate, colher sugestões, subsídios e viabilizar soluções. Com a palavra, a sociedade.


sábado, 2 de junho de 2012

São Paulo vai morrer

Artigo publicado originalmente no Correio da Cidadania

São Paulo vai morrer
João Sette Whitaker Ferreira

As cidades também morrem. Há meio século, o lema de São Paulo era “a cidade não pode parar”. Hoje, nosso slogan deveria ser “São Paulo não pode morrer”. Porém, parece que fazemos todo o possível para apressar uma morte anunciada. Pior, o que acontece em São Paulo tornou-se infelizmente um modelo de urbanismo que se reproduz país afora. A seguir esse padrão de urbanização, em médio prazo estaremos frente a um verdadeiro genocídio das cidades brasileiras.

Enquanto muitas cidades no mundo apostam no fim do automóvel, por seu impacto ambiental baseado no individualismo, e reinvestem no transporte público, mais racional e menos impactante, São Paulo continua a promover o privilégio exclusivo dos carros. Ao fazer novas faixas para engarrafar mais gente na Marginal Tietê, com um dinheiro que daria para dez quilômetros de metrô, beneficia os 30% que viajam de automóvel todo dia, enquanto os outros 70% se apertam em ônibus, trens e metrôs superlotados. Quando não optam por andar a pé ou de bicicleta, e freqüentemente demais morrem atropelados. Uma cidade não pode permitir isso, e nem que cerca de três motociclistas morram por dia porque ela não consegue gerenciar um sistema que recebe diariamente 800 novos carros.

Não tem como sobreviver uma cidade que gasta milhões em túneis e pontes, em muitos dos quais, pasmem, os ônibus são proibidos. E que faz desaparecer seus rios e suas árvores, devorados pelas avenidas expressas. Nenhuma economia no mundo pode pretender sobreviver deixando que a maioria de seus trabalhadores perca uma meia jornada por dia – além do duro dia de trabalho – amontoada nos precários meios de transporte. Mas em São Paulo tudo se pode, inclusive levar cerca de quatro horas na ida e volta ao trabalho, partindo-se da periferia, em horas de pico.

Uma cidade que permite o avanço sem freios do mercado imobiliário (agora, sabe-se, com a participação ativa de funcionários da própria prefeitura), que desfigura bairros inteiros para fazer no lugar de casas pacatas prédios que fazem subir os preços a patamares estratosféricos e assim se oferecem apenas aos endinheirados; prédios que impermeabilizam o solo com suas garagens e aumentam o colapso do sistema hídrico urbano, que chegam a oferecer dez ou mais vagas por apartamento e alimentam o consumo exacerbado do automóvel; que propõem suítes em número desnecessário, o que só aumenta o consumo da água; uma cidade assim está permanentemente se envenenando. Condomínios que se tornaram fortalezas, que se isolam com guaritas e muros eletrificados e matam assim a rua, o sol, o vento, o ambiente, a vizinhança e o convívio social, para alimentar uma falsa sensação de segurança.

Enquanto as grandes cidades do mundo mantêm os shoppings à distância, São Paulo permite que se levante um a cada esquina. Até sua companhia de metrô achou por bem fazer shoppings, em vez de fazer o que deveria. O Shopping Center, em que pese a sempre usada justificativa da criação de empregos, colapsa ainda mais o trânsito, mata o comércio de bairro e aniquila a vitalidade das ruas.

Uma cidade que subordina seu planejamento urbano a decisões movidas pelo dinheiro, em nome do discutível lucro de grandes eventos, como corridas de carro ou a Copa do Mundo, delega as decisões de investimentos urbanos não a quem elegemos, mas a presidentes de clubes, de entidades esportivas internacionais ou ao mercado imobiliário.

Esta é uma cidade onde há tempos não se discute mais democraticamente seu planejamento, impondo-se a toque de caixa políticas caça-níqueis ou populistas, com forte caráter segregador. Uma cidade em que endinheirados ainda podem exigir que não se faça metrô nos seus bairros, em que tecnocratas podem decidir, sem que se saiba o porquê, que o mesmo metrô não deve parar na Cidade Universitária, mesmo que seja uma das maiores do continente.

Mas, acima de tudo, uma cidade que acha normal expulsar seus pobres para sempre mais longe, relegar quase metade de sua população, ou cerca de 4 milhões de pessoas, a uma vida precária e insalubre em favelas, loteamentos clandestinos e cortiços, quando não na rua; uma cidade que dá à problemática da habitação pouca ou nenhuma importância, que não prevê enfrentar tal questão com a prioridade e a escala que ela merece, esta cidade caminha para sua implosão, se é que ela já não começou.

Nenhuma comunidade, nenhuma empresa, nenhum bairro, nenhum comércio, nenhuma escola, nenhuma universidade, nem uma família, ninguém pode sobreviver com dignidade quando todos os parâmetros de uma urbanização minimamente justa, democrática, eficiente e sustentável foram deixados para trás. E que se entenda por “sustentável” menos os prédios “ecológicos” e mais nossa capacidade de garantir para nossos filhos e netos cidades em que todos – ricos e pobres – possam nela viver. Se nossos governantes, de qualquer partido que seja, não atentarem para isso, o que significa enfrentar interesses poderosos, a cidade de São Paulo talvez já possa agendar o dia se deu funeral. Para o azar dos que dela não puderem fugir.

João Sette Whitaker Ferreira, arquiteto-urbanista e economista, é professor da Faculdade de Urbanismo da Universidade de São Paulo e da Universidade Mackenzie.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

As ciclovias são um bem necessário

Agora que o Correio Braziliense já vendeu o que podia da edição de hoje, segue a íntegra de um lúcido artigo publicado na versão impressa e disponível na internet apenas para assinantes. Para quem não mora em Brasília, cabe explicar (embora o texto já deixe isso evidente) que há duras batalhas sendo travadas, inclusive no Ministério Público, para que o programa de implantação de ciclovias no Distrito Federal tenha continuidade. Quem questiona, pasmem, é um conjunto de cicloativistas que, na minha opinião, se recusam a enxergar que as ciclovias não são para eles - são para quem não se sente seguro para pedalar.

As ciclovias são um bem necessário

MAURÍCIO MACHADO GONÇALVES
Engenheiro pela UnB, pós-graduado em engenharia e controle da poluição ambiental (USP), ciclista, membro do grupo Coroas do Cerrado, ex-presidente da ONG Rodas da Paz

WILSON TEIXEIRA SOARES
Jornalista, ciclista, membro do grupo Coroas do Cerrado, ex-conselheiro da ONG Rodas da Paz


A ignorância nunca foi útil a ninguém. A frase, famosa desde o século 19, ajusta-se como luva feita sob medida às demonstrações de insensibilidade manifestadas por alguns porta-vozes da desconstrução do trabalho realizado pela ONG Rodas da Paz em favor da implantação de uma malha cicloviária no Distrito Federal. Para tentar reverter a decisão do Governo do Distrito Federal de construir ciclovias, segmentos minoritários de cicloativistas agarraram-se à tese de que o espaço público, por ser bem comum a todos, não deveria comportar áreas reservadas para quem pedala, na medida em que isso implica segregação.

Na cruzada insensata, optaram por fingir desconhecer conclusões acadêmicas consolidadas, como as expostas por Giselle Xavier na elucidativa tese de doutorado "O desenvolvimento e a inserção da bicicleta na política de mobilidade urbana brasileira", a respeito da influência do desenho urbano, do tipo de ocupação do solo e da presença da infraestrutura adequada ou não - de um sistema cicloviário, enfim - sobre o que leva pessoas a se deslocarem a pé ou de bicicleta.

Sistemas cicloviários são espaços formadores de redes - ciclovias, ciclofaixas, faixas compartilhadas, acostamentos sinalizados - que oferecem maior segurança para a circulação em bicicleta. O que inclui, ainda, estacionamentos, integração com os transportes coletivos, tratamento das interseções e redução da velocidade do tráfego motorizado.

Cidades como Berlim, Nova York e Amsterdã, que implantaram, respectivamente, 625km, 482km e 400km de ciclovias, e que adotaram intervenções abrangentes, voltadas para a diversidade social, experimentaram um grande aumento no número de viagens por bicicleta. Ratificando, assim, artigo acadêmico de autoria de Roy Shephard, com foco na importância da mobilidade urbana por bicicleta.

De acordo com as conclusões do artigo, transcrito na tese de Xavier, a realização de alterações substanciais no ambiente construído é imprescindível para que a bicicleta se torne opção de mobilidade urbana. Shepard, em "É o uso da bicicleta como forma de mobilidade urbana a resposta para a saúde da população?", evidencia o quanto é saudável andar de bicicleta dos pontos de vista individual, coletivo e público.

Para assegurar, contudo, os benefícios que o hábito de pedalar proporciona, é necessário realizar mudanças no desenho urbano, na medida em que a percepção de risco resultante do volume, velocidade e composição do tráfego motorizado desestimula a intenção de optar pela bicicleta como meio de transporte regular.

Em ambientes urbanos nascidos sob o signo do rodoviarismo, como é o caso de Brasília, é evidente, até mesmo para os de visão estrábica, que a chave do sucesso para uso da bicicleta está na oferta de segurança, consistência na relação origens-destinos, rotas diretas, atratibilidade e conforto.

Além disso, de acordo com as políticas coordenadas pró-bicicleta empregadas na Holanda, Alemanha e Dinamarca, é necessário, nos sistemas abrangentes com infraestrutura e instalações segregadas, existir um sistema totalmente integrado, com ciclovias, ciclofaixas e vias exclusivas para as bicicletas a fim de promover maior igualdade no uso do espaço público.

Ambicionar um ambiente urbano em que os mais diversos modais de transporte, público e privado, coexistam pacificamente é desejo comum a todos os que cultivam a convicção de que as vias públicas não são, em hipótese alguma, propriedade privada dos veículos automotores.

Para que essa utopia, no entanto, se transforme em bem tangível, é fundamental oferecer à sociedade um conjunto de políticas coordenadas que contemple, entre outras providências, espaços exclusivos para ônibus, para bicicletas, vias deliberadamente estreitas para forçar a redução da velocidade dos automotores e sobretaxar - por que não? -a compra, posse e utilização do carro, especialmente no que se refere ao combustível derivado do petróleo.

Filósofos de esquina e de mesa de bar costumam dizer, não sem razão, que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. No caso da convivência entre motoristas e ciclistas, é fundamental oferecer, a estes, áreas seguras, independentemente do direito que têm de trafegar em qualquer via pública. Bater-se pela não construção de ciclovias, na realidade, constitui, apenas e tão somente, atestado público de ignorância. O que não é útil a ninguém.

sábado, 26 de maio de 2012

Presente de grego

Muito bom o artigo do Prof. David Duarte Lima publicado na edição de ontem do Correio Braziliense. É uma pena que tenha ficado restrito aos assinantes. Como agora o Correio já vendeu tudo o que podia, e deve estar começando a colher as sobras nas bancas, reproduzo aqui o texto na íntegra:

Presente de grego

"Carro fica 10% mais barato a partir de hoje." A notícia parece boa, mas é na verdade um presente de grego. Incapaz de dar solução sustentável para os problemas da mobilidade urbana, o governo federal aposta na pior das opções: o carro. O sistema de transporte - esse monumento à negligência com a população -, é deficiente em todas as cidades brasileiras e precário na maioria delas. Faltam ao sistema pontualidade, segurança, conforto, frequência, acessibilidade, tarifa justa e competitiva com os outros modos de transporte. Corolário: todos querem fugir dos ônibus, que seja para um carrinho velho, caindo aos pedaços, ou uma motocicleta, mesmo que isso signifique riscos no trânsito.

Com a redução de impostos e o aumento da oferta de crédito, o governo dá mais um empurrão para a solução individual de transporte nesse %u201Csalve-se quem puder%u201D. Errou em cheio. Primeiro, porque dá um tiro no próprio pé. Abrirá mão de uma soma considerável de impostos %u2014 segundo apurou o Correio Braziliense, algo da ordem de R$ 2,7 bilhões. Obviamente, as áreas de saúde, educação e segurança, que não andam bem, poderiam se beneficiar com esses recursos. Segundo, porque impõe à sociedade um aumento de custos sociais, econômicos e ambientais decorrentes da mobilidade que poderiam ser evitados.

Os itens da fatura virão em forma de poluição, congestionamentos, desastres de trânsito e a consequente conta no hospital, demanda por mais viadutos, estacionamentos, sinalização, alargamento de ruas e avenidas. As já escassas áreas verdes terão de dar passagem aos novos carros, senhores do espaço público. Os pedestres ficarão ainda mais espremidos nas calçadas, e para atravessar uma rua terão de enfrentar uma frota de veículos mais densa, mais compacta e ainda mais agressiva.

Em terceiro lugar, quem vai pagar pelo equívoco do governo será a %u201Cnova classe média%u201D. Parece que ela será a vítima preferencial, que, por ter o privilégio de escapar dos ônibus superlotados, inseguros, caros e sem pontualidade, trocará o aperto da viagem pelo aperto financeiro. O carro custará o financiamento do banco, o IPVA, o seguro obrigatório, a gasolina, a troca de óleo, as manutenções. Breve, o novo cidadão motorizado descobrirá que excedeu a velocidade em algum momento ou estacionou em local proibido. O valor da multa será uma punhalada no orçamento familiar. Silenciosamente, os pneus custam cerca de três míseros centavos por quilômetro, mas chegará o dia de pagar a conta. E acumulada.

Nesse momento, ele entenderá o que significa depreciação: o valor do seu carro não é mais o mesmo; e a diferença, deverá contabilizar como prejuízo. Como a sua excelência o automóvel não aceita dormir na rua, reivindicará o maior quarto da casa, e com um nome especial: garagem. Provavelmente, esse brasileiro ainda não fez as contas, mas gastará cerca de R$ 1 mil por mês com a mobilidade, cinco vezes mais que antes. Ou seja, o governo, que deveria investir em transporte público para a população, transferiu a conta para o bolso do cidadão.

Por ser um veículo não poluente, barato, eficiente, que não ameaça os outros e ainda melhora a saúde de quem o utiliza, dos R$ 18 bilhões que serão liberados pelo BNDES para a %u201Cmobilidade%u201D, a bicicleta receberá um gigantesco nada. Ao lado dos pedestres, os ciclistas continuarão acuados em um espaço cada vez mais exíguo. Quem anda a pé, de bicicleta ou transporte público no Brasil não merece investimentos, consideração nem respeito.

Em resumo, as novas medidas de incentivo à compra de carros representam perdas para o governo, para a sociedade e para o cidadão. Porém, sabemos todos, onde há perdedores, há ganhadores. As montadoras que venderão os carros estão felizes e os bancos que farão os financiamentos, mais ainda. E torcem para a deterioração do já precário sistema de transporte público. É a turma do quanto pior, melhor. Agora com patrocínio governamental.

domingo, 1 de abril de 2012

O lamentável Jânio

Sinceramente, não sei se "lamentável" é a melhor palavra para descrever o texto do jornalista Jânio de Freitas na Falha de S. Paulo hoje. Reproduzo aqui para você mesmo julgar. Na sequência, vai a mensagem que o incansável defensor do trânsito cidadão Osias Baptista enviou ao jornal.

Elitismo autoritário

JANIO DE FREITAS

A Lei Seca é contra a classe média, que beberica como pequena distensão, como um lazer à falta de melhores

A Lei Seca veio embaralhar, de uma parte, a combinação bebedeira/automóvel e, de outra, o autoritarismo.

Para começar, é uma lei elitista típica do Brasil. Quem dispõe de mordomias por posses próprias ou pagas pelo Tesouro Nacional, como é o caso dos congressistas que impuseram a lei, está livre para beber à vontade, a qualquer hora, e transpor qualquer blitz. Suas posses ou o dinheiro oficial lhe proporcionam o serviçal conveniente para as circunstâncias: o motorista.

A lei é, portanto, contra a classe média. Essa que beberica como uma pequena distensão, como um lazer à falta de melhores.

Quem bebe um ou dois copos de vinho em várias horas de uma festa ou de um jantar, por exemplo, compõe a imensa maioria dos atingidos pelo rigor arbitrário da lei. Mas, como norma, não são os que causam acidentes por terem ingerido alguma porção alcoólica. Em contrapartida, a probabilidade de deter os que perdem as condições de dirigir é insignificante. Um êxito apenas ocasional, dada a forçosa desproporção entre as blitze possíveis e a área urbana livre para os embriagados trafegarem sem encontrar-se com a malha fina.

A lei é elitista ainda na sua destinação. Inspirou-se e pretende (em vão, como se tem visto) prevenir acidentes em que motoristas alcoolizados têm feito vítimas chocantes, essencialmente, por sua condição social. E pelos bairros onde mais ocorrem tais acidentes. A frustrada ação repressora o comprova o elitismo: as blitze não são feitas na periferia ou subúrbios, onde -os costumes sugerem- seria farta a coleta de desrespeito ao índice exíguo da lei. Como se deduz do volumoso noticiário de acidentes naquelas áreas. Ou seja, só os bacanas não devem matar e matar-se com seus carros.

A lei confirma o seu elitismo também por outra via trágica: os acidentes terríveis com ônibus intermunicipais e interestaduais estão todos os dias na TV, com dezenas e mais dezenas de mortos, feridos e incapacitados. Os acidentes com carretas e caminhões não chocam menos. Mas a Lei Seca não lhes concedeu sequer a menor menção.

É indispensável que os motoristas de ônibus sejam submetidos ao bafômetro antes da partida. E outra vez ao sair das paradas intermediárias. Os motoristas de carretas e caminhões provocaram a proibição de venda de bebida na beira das estradas, mas nem a restrição é cumprida, nem é suficiente para restringir a guarda da bebida. E nessas omissões da autoridade estão as causas da sucessão de desastres horríveis com veículos pesados. Sem providências contrárias.

Está mais do que provada a ineficácia do autoritarismo como sistema socialmente educativo. O que pode mudar as condutas sociais é a persuasão. A campanha da camisinha é exemplo excelente: persuasiva, por impossibilidade de ser impositiva, pegou com rapidez e criou novo costume. O abandono do cigarro por milhões de fumantes convictos dá outro exemplo: é fácil ouvir que a rejeição veio do conhecimento dos efeitos maléficos, martelados pelos médicos, e não das proibições de fumar ali ou acolá. A maior parte das proibições decorreu já da rejeição que se difundia.

A modalidade da Lei Seca se explica muito por sua origem: a bancada evangélica. A Ação Católica e outras organizações religiosas, dedicadas à influência política, não retornaram ao Congresso e à política na volta da democracia. Com penetração crescente, porém, os novos evangélicos assumiram seus papéis. Extremados no conservadorismo, só admitem leis e regras sujeitas às suas concepções. Nisso, mesmo a qualidade do fazer não parece importar. A Lei Seca e, já andando pelo Congresso, seu extremismo final saíram dessa usina.

A lei elitista anti-etilista é um produto do autoritarismo que não crê em educação social e em formação de civilidade.

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A mensagem de Osias:

Senhores,
A coluna do jornalista Janio de Freitas sobre a Lei Seca desconsidera as possivelmente mais de 20 mil mortes por ano devido à mistura de álcool e direção, demonstra um desconhecimento total das medidas adotadas nos países que conseguiram reduzir o número de vítimas desse tipo de ocorrência e esquece que não existe impunidade contra o vírus da AIDS e os males do tabaco, o que faz com que suas vítimas em potencial se precavenham, muito diferente dos motoristas bêbados que em geral são os agentes das mortes, e não as vítimas.
Atenciosamente,
Osias Baptista Neto

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Bicicletas na Band e na Globo

Talvez ainda seja cedo para comemorar. Talvez seja mais prudente esperar o fim. Mas os programas de ontem e de hoje exibidos pelo Jornal da Band dentro da série sobre bicicletas foram muito bons. Certamente a qualidade da abordagem tem a ver com a contribuição de Thiago Bennichio. Vamos torcer para os próximos programas sigam a mesma linha.

A propósito, bem que Mônica Waldvogel podia assistir à série. Talvez assim ela poupe a pobre audiência da GNT das bobagens e preconceitos (para dizer o mínimo) que ela foi capaz expor no programa de futilidades que apresenta no canal pago da Globo.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Desastres no Trânsito




artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense

enviado a mim hoje pelo autor, via e-mail

Desastres no Trânsito
“O mais escandaloso do escândalo é que nos acostumamos a ele” 
Simone Beauvoir

Preocupado com índices econômicos, superávit primário, taxas de juros e metas de inflação, que garantem nossa ascensão à sexta economia do mundo, o governo brasileiro parece não se dar conta da tragédia que impera nas nossas ruas. Como só viaja de avião, a burocracia estatal é  incapaz de compreender a tragédia das estradas, pontilhadas por cruzes, e se restringe a apresentar a contabilidade fúnebre após as festas de fim de ano, carnaval e feriados prolongados, como se isso ajudasse ou confortasse as famílias das vítimas. O governo atribui a ocorrência dos desastres apenas à irresponsabilidade dos motoristas, e se limita a aumentar o infortúnio no inventário nefasto. Convenientemente desconsidera sua responsabilidade na habilitação de motoristas, no estado precário das estradas e na fiscalização do trânsito. Submetido à barganha política de quinta categoria, o órgão nacional de trânsito, o Denatran, tem na inépcia sua expressão máxima. O corolário do descaso não poderia ser outro: em 2010 batemos o recorde de mortes no trânsito e em 2011 superaremos essa marca sem qualquer dificuldade.
Acreditando na metamorfose da tragédia em estatística, governo e sociedade parecem se unir em torno do lema do ditador soviético Joseph Stálin que “a morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística”. Essa parece ser a única explicação plausível para não nos darmos conta de que nos últimos trinta anos um milhão de pessoas morreram no nosso trânsito e 20 milhões ficaram feridas. Nesse período, cinco milhões de brasileiros foram para cadeiras de rodas ou ficaram com lesões irreversíveis. Por incrível que possa parecer, o custo de um trilhão de reais dos desastres de trânsito não está contabilizado nos índices econômicos.
Países desenvolvidos tratam o trânsito com seriedade. Em 1966, o presidente Lyndon Johnson foi alertado sobre a mortandade no trânsito do seu país. “Mais de 1.500.000 de nossos cidadãos morreram em nossas ruas e estradas neste século; cerca de três vezes o número de americanos que perdemos em todas as nossas guerras”, disse ao assinar o “Plano de Segurança no Trânsito”. Em 2010, os Estados Unidos tiveram o menor número de mortos no trânsito desde 1949. A Bélgica, outro exemplo, multiplicou por dez sua frota de veículos automotores nos últimos 60 anos, mas em 2010 teve o menor número de vítimas de trânsito de sua história. Esses países fazem diagnósticos dos problemas, realizam pesquisas em profundidade, estabelecem metas e promovem ações para reduzir a violência no trânsito. Os programas desses governos são robustos, há comprometimento das autoridades e efetiva participação da sociedade.
No Brasil, temos um longo caminho a percorrer. Em muitos aspectos parece que estamos na idade da pedra. Nossas estatísticas de trânsito deixam muito a desejar. Relegadas a um plano secundário, as perícias, essenciais para estabelecer medidas preventivas, são feitas à matroca. Sem perícias criteriosas as demandas judiciais dos desastres de trânsito não prosperam. A Justiça, de outra parte, tem mostrado excessiva benevolência com os motoristas infratores, promovendo a terrível impunidade, que anda de mãos dadas com a irresponsabilidade e o risco. Construídas com tecnologia dos anos 1950, nossas estradas são perigosas, incompatíveis com os tempos atuais. Quando se modernizam para os carros, nossas cidades espremem pedestres e ciclistas entre o muro e a morte. Milhões são gastos em viadutos enquanto passagens para pedestres, calçadas e ciclovias enfrentam a intransponível má vontade burocrática. Mal equipados e sem treinamento, os agentes de trânsito não conseguem conferir à fiscalização uma eficiência mínima. Para completar a patogenia, boa parte dos nossos veículos circulam sem manutenção à espera de mais vítimas.
É preciso dar um basta! Todos os dias milhares de brasileiros são feridos ou tem a vida precocemente interrompida por desastres de trânsito. Não podemos mais esperar. Medidas como uso do cinto de segurança, controle de velocidade em áreas urbanas, aperfeiçoamento da fiscalização, inspeção de segurança dos veículos, educação de trânsito para pedestres e ciclistas, que demandam poucos recursos e tem grande impacto na redução do número de vítimas, podem ser o começo da virada.
Temos que encarar essa empreitada. Chega de contar mortos e transformá-los em estatísticas, para tentar esmaecer a face cruel do nosso trânsito. Os belos índices econômicos não conseguem camuflar a procissão de cadáveres e mutilados nas ruas, ou estancar o choro das famílias enlutadas. Chega de inação, de indiferença, de insensibilidade. Basta!

David Duarte Lima, doutor em Segurança de Trânsito, é professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, e presidente do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito – IST.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Vetos que denunciam

Tínhamos tudo para começar 2012 comemorando a sanção da Lei 12.587, que institui as diretrizes da Política da Mobilidade Urbana. Lamento, mas esta postagem vai colocar água no chopp.

Depois de muitos anos de construção, com idas e vindas, o que foi concebido para ser o Estatuto da Mobilidade Urbana Sustentável perdeu alguma substância, mas ainda assim foi para o Congresso Nacional bem respaldado. Passou por bons debates na sociedade, exaustivos embates no Conselho das Cidades e uma difícil negociação com a Casa Civil e a equipe econômica do governo Lula. Depois de tudo isso, mais uns cinco anos de tramitação entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal sem alterações de conteúdo deixaram a convicção de que se tratava de um texto definitivo.

O que podia ser só motivo de comemoração traz também um quê de preocupação, que vem dos vetos da Presidenta da República que aparecem no texto publicado hoje no Diário Oficial. Foram vetados os parágrafos 1º. e 3º. do artigo 8º., o inciso V do artigo 16 e o inciso IV do artigo 18. Sabem o que eles diziam? Vamos lá:

  • Os parágrafos do artigo 8º. proibiam a concessão de gratuidades nos serviços de transporte público às custas dos usuários pagantes, devendo as gratuidades terem fontes de financiamento previstas em leis específicas.
  • O artigo 16 lista as atribuições da União e o artigo 18, as atribuições dos municípios. Os dois incisos vetados falavam, respectivamente, de "adotar incentivos financeiros e fiscais para a implementação dos princípios e diretrizes desta Lei" e "implantar incentivos financeiros e fiscais para a efetivação dos princípios e diretrizes desta Lei".
Posso estar muito enganado, mas desconfio que a equipe econômica do governo Dilma resolveu meter o bedelho e acabou demonstrando que no fundo ainda prevalece a visão de que a questão do transporte urbano deve ser resolvida pelo mercado e com as leis de mercado.

Pois é, ainda não é dessa vez que veremos o Estado assumir integralmente suas responsabilidades na promoção da Mobilidade Urbana Sustentável...