sábado, 20 de fevereiro de 2010

Uma cidade sobre rodas. Duas

(postagem original no Blog do Noblat)

CARTAS DE BARCELONA

Uma cidade sobre rodas. Duas

Dizem por aqui que o melhor de se viver em uma cidade como Barcelona é poder fazer tudo a pé, algo impensável para quem vive numa grande cidade brasileira.

É um exagero, claro, mas a verdade é que se pode percorrer boa parte da cidade gastando apenas sola de sapato e um bilhete de metrô.

Apesar disso, há um bocado de gente que desafia o vento frio e recorre a um número cada vez maior de bicicletas e vespas, embrenhando-se por entre carros e pedestres, num bailado todo especial e por vezes caótico.

A Cidade Velha e o antigo pueblo de Grácia, hoje um bairro elegante de Barcelona, têm uma infinidade de ruelas estreitas por onde um carro, quando passa, passa apertado, empurrando os pedestres para a calçada igualmente estreita.

Estacionar o carro? Nem pensar. Em compensação, o que não falta é estacionamento exclusivo para motos e bikes, às vezes ocupando parte da calçada para não impedir o tráfego de veículos.

E ninguém parece se incomodar, antes pelo contrário. Barcelona é uma das poucas cidades da Espanha que transformaram as duas rodas em um serviço de transporte público, o Bicing (http://www.bicing.com).

Você paga uma tarifa anual de 30 euros e pode usar qualquer uma das 6 mil bicicletas públicas encontradas em uma das 401 estações espalhadas pela cidade.

Funciona assim: você faz a inscrição pela internet, recebe o cartão Bicing em casa, vai com ele até a estação mais próxima, escolhe uma bike e sai pedalando; depois devolve a bike em qualquer estação da cidade.

Os primeiros 30 minutos do percurso estão incluídos na tarifa anual; depois disso, paga-se 50 centavos extras a cada meia hora. O prazo máximo permitido por percurso é de duas horas, quem for além disso leva multa.

Não há dia em que eu não cruze com pelo menos duas vans do Bicing fazendo a manutenção das bikes. As que precisam de oficina são recolhidas numa pequena carreta e substituídas por outras.

A bicicleta está tão incorporada à rotina da cidade que você pode levar a sua no metrô. Quem não tem lugar para guardar dentro de casa pendura a bike no balcão sem a menor cerimônia. Oficina de bicicleta é a coisa mais fácil de encontrar na vizinhança.

Alugar uma bike é alternativa para turistas, e há muitos na onda. A agência de turismo da Prefeitura dispõe de um serviço de aluguel de bicicletas, o Barcelona Bici (http://bcnshop.barcelonaturisme.com), e oferece sugestões de roteiros diurnos e noturnos sobre duas rodas, com ou sem motor.

O primeiro contato que tive com um serviço de transporte público sobre duas rodas foi em Sevilha, em 2008. Fiquei encantada com a idéia, mesmo não sendo exatamente uma adepta do pedal. É muito civilizado esse negócio de compartilhar um bem público de uso privado, vocês não acham?

Sem falar que trocar o carro pela bicicleta faz bem para a saúde de quem pedala e de quem não pedala, evitando a descarga de “ene” toneladas de monóxido de carbono no ar da cidade.

Em Sevilha, o Sevici (http://www.sevici.es) funciona mais ou menos da mesma forma que o Bicing em Barcelona, com uma pequena diferença nas tarifas.

Lá, como cá, as duas rodas são um poderoso meio de transporte - depois da boa e velha sola de sapato, é claro. É uma pena que ainda não haja nada parecido em Madri. Mas alguém, com certeza, já está pensando nisso.

Anamaria Rossi é jornalista e está passando uma temporada em Barcelona, onde pretende converter-se em cozinheira. Estuda Cocina e Pastelería e compartilha suas descobertas no blog Yo que sé? Uma aprendiz em Barcelona (http://yoquesebarcelona.wordpress.com).

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Mais sobre o caso Pedro Davison

Muito bom o artigo de Rodrigo Novaes, publicado ontem no Correio Braziliense e reproduzido abaixo. Gostei particularmente das convergências entre algumas considerações de Rodrigo e outras que eu fiz a propósito do caso Timponi. Não sei se o leitor concordará, mas acho interessante conferir.

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Lições do caso Pedro Davison

» RODRIGO RIBEIRO NOVAES
Engenheiro, especialista em transporte urbano, diretor da Anesp (Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental)

O resultado do julgamento do caso do homicídio de Pedro Davison corrobora a tese de que a humanidade caminha “com passos de formiga e sem vontade”, como canta Lulu Santos. Embora levar um crime de trânsito ao júri popular e obter uma condenação sejam em si uma vitória, a aplicação da pena mínima em regime semiaberto teve para a sociedade o amargo sabor de derrota, de impotência, de impunidade.

Que lições podemos tirar desse caso para darmos alguns passos em direção a um trânsito mais civilizado, no Brasil e em Brasília?

Em primeiro lugar, o Judiciário ainda é largamente insensível à questão da violência no trânsito — conclusão que tiro não apenas do caso de Davison. Em outro triste exemplo, das três mortes na Ponte JK, em outubro de 2007, os desembargadores Sandra de Santis e George Leite livraram Paulo César Timponi de uma possível condenação por dolo eventual (aquele em que se assume o risco de matar), apesar de ele trafegar a 130km/h e de terem sido encontrados álcool e drogas em seu veículo.

É evidente que juízes e desembargadores, todos com salários acima de R$ 20 mil, não costumam andar de ônibus, a pé ou de bicicleta pela cidade. Existe, portanto, uma empatia natural dos agentes da Justiça com o réu motorista e uma dificuldade de se colocarem no lugar da vítima ou de sua família. É necessário trazer esses tomadores de decisão para fora de suas zonas de conforto, como naquelas experiências em que uma pessoa sem deficiência senta em uma cadeira de rodas para andar pela cidade.

A segunda lição é que, ainda que aceitemos a tese de que um crime ou desastre de trânsito é um “acidente”, o elemento de fortuidade perde-se quando o condutor não presta socorro à vítima. Nesse ponto, o motorista toma a decisão consciente de deixar outro ser humano gravemente ferido morrer, com a única intenção de escapar da Justiça.

Trata-se, portanto, de uma atitude dolosa, criminosa e hedionda, que deveria, por qualquer critério, ser inafiançável. Esse problema é agravado pela prática de se estabelecerem valores quase simbólicos de fiança nos casos de omissão de socorro.

Leonardo Luiz da Costa, condenado no caso Pedro Davison, pôde responder ao processo em liberdade por mais de três anos, após pagar meros R$ 2 mil — 4% do valor de seu luxuoso Fiat Marea.

O último ponto a se tratar aqui tem a ver exclusivamente com Brasília. O Eixão é uma via que historicamente mata muitas pessoas. Quantos outros casos semelhantes ao de Pedro não conhecemos? Quantas pessoas ainda precisarão morrer ali para que o GDF tome providências?

Uma via com as características do Eixão, em ambiente urbano, só deveria ter velocidade máxima de 80km/h se houvesse separação física, como uma barreira entre os dois sentidos. Entretanto, a realidade que todos fingem não ver é que o Eixão é uma pista cuja divisão das mãos é feita por pouco mais que duas linhas pintadas de amarelo, onde há ciclistas e a travessia de pedestres é frequente. Por esses critérios, segundo manuais de segurança aplicados na Europa e nos EUA, a velocidade máxima deveria ser de 60km/h. Isso diminuiria as mortes tanto por atropelamento quanto por colisão frontal (Aos preocupados com congestionamento, lembro que a velocidade média não é a máxima, especialmente no período de pico. A capacidade da via seria reduzida em apenas 6%, o que poderia facilmente ser compensada com outras medidas).

O resultado do processo de Pedro Davison tem que ser revisto e ir além da pena mínima. A sociedade precisa fazer o Judiciário entender que a violência no trânsito está em níveis inadmissíveis. Não podemos mais permitir fiança nos casos com omissão de socorro. E o GDF precisa se mexer para que o Eixão deixe de ser tão perigoso quanto é.

CORREIO BRAZILIENSE n. 8226; Brasília, quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010 n. 8226; Opinião; p. 15.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Pobres dos passageiros

Há poucos dias eu discuti aqui um pouco da construção da cidadania, a propósito de dois casos emblemáticos (a decretação da prisão do governador do DF e a condenação do assassino do ciclista Pedro Davison) que envolveram o Poder Judiciário. Pode ter ficado a impressão de que a cidadania (ou a falta dela) está associada unicamente à atuação da Justiça. Não é assim. A cidadania se constrói também com as atitudes simples do dia a dia.

Cidadania tem a ver com o respeito ao outro e ao coletivo. O trânsito proporciona um ambiente muito rico para a promoção da cidadania. Ou para o desrespeito a ela, como no caso do flagrante a seguir, captado na parada de ônibus próxima à Casa Thomas Jefferson, na via L2 Norte de Brasília. Na aerofoto abaixo, vê-se a instituição na parte interior esquerda. Logo a seguir, um recuo para a parada de ônibus, que tem um abrigo na extremidade porterior.


O abuso vem de motoristas que não respeitam as prioridades de passageiros de ônibus e usam o recuo como vagas gratuitas para estacionamento. A tal ponto que os passageiros têm que abrir mão de usar o abrigo, de modo que possam ver os ônibus e ser vistos pelos seus motoristas. Na foto abaixo, a passageira espera o ônibus em área já além do recuo


Poucos minutos depois da foto acima ser tirada, chegou um ônibus do qual outra passageira foi obrigada a descer na pista.


É claro que a presença de fiscalização ajudaria a garantir os direitos dos passageiros. Mas não seria muito mais cidadã uma sociedade cujos membros respeitassem os direitos uns dos outros simplesmente porque todos têm direitos, independentemente de terem carros?

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A Justiça e a Cidadania em 11 de fevereiro

Dois fatos protagonizados pelo Poder Judiciário no dia de ontem marcam a longa e penosa história da construção de nossa cidadania.

Nunca antes na história deste país um governador foi encarcerado durante o exercício do mandato. O STJ, pelo significativo placar de 12 a 2, tirou de circulação um governante para evitar que ele obstrua o curso das investigações que a cidadania exige e acompanha atentamente.

É lamentável que o segundo fato venha no sentido contrário: o Tribunal do Júri do Distrito Federal limitou à pena mínima a condenação do motorista que, alcoolizado, com habilitação vencida, dirigindo em local proibido à circulação de veículos motorizados e com velocidade acima da permitida na via contígua, atropelou e matou o ciclista Pedro Davison, e ainda fugiu do local.

Registro aqui minha indignação com a sentença, e também minha absoluta solidariedade a Beth e Pérsio Davison, que não vão poder ter Pedro de volta, mas transformaram aquele trágico 19 de agosto de 2006 num marco da luta pela construção da cidadania.

Registro também minha esperança de que o recurso do promotor José Pimentel Neto alinhe o TJDFT com o STJ de 11 de fevereiro de 2010.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Carta aberta de Beth e Persio Davison

Carta Aberta

O Tribunal do Júri de Brasília submeterá a julgamento no próximo dia 11/02 – quinta-feira Leonardo Luiz da Costaque, em 19 de agosto de 2006, atropelou e matou na faixa central do Eixão Sul o biólogo e ciclista Pedro Davison. O condutor, que dirigia seu veículo com total desrespeito à vida, em altíssima velocidade e em local proibido ao trânsito de veículos automotores, tinha sua habilitação vencida, consumia bebida alcoólica no momento do crime, não freou, não procurou evitar a morte, não prestou socorro e se evadiu.

É importante que nos manifestemos em defesa da vida e do respeito às leis, por um basta a essa violência e pelo fim da impunidade que permite que irresponsáveis permaneçam nas ruas destruindo vidas e dilacerando tantas famílias.

Fazemos convite para sua participação em manifestação que realizaremos no dia 11 de fevereiro em frente ao Tribunal de Justiça do DF, data do julgamento, às 7h, horário da chegada dos jurados e dos senhores juízes.

Sua presença é importante para que expressemos que é inaceitável que tais crimes permaneçam impunes. Não deixe de comparecer e mostrar que Brasília defende a paz no trânsito, a condução responsável e o fim da impunidade dos crimes cometidos nas vias do Distrito Federal.

Vamos mostrar que queremos justiça e a condenação do réu. Mostrar que Brasília não aceita mais que casos dessa natureza sejam equivocadamente tratados como mero acidente. Vamos manifestar nosso desejo de mudança desse paradigma e confirmar uma nova jurisprudência de condenação dos que não respeitam as leis, desconsideram a vida e assumem se tornarem criminosos no trânsito.

Seremos gratos pelo seu apoio e presença.

Brasília, 06 de fevereiro de 2010.

Beth e Persio Davison

DATA: 11/02/2010 – 07h

LOCAL: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS - TJDFT

Fórum Milton Sebastião Barbosa, Anexo “B”(em frente ao estacionamento)

Brasília - DF


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Debate: mudanças no Código de Trânsito

Foi ao ar na última quarta-feira, dia 3 de fevereiro, um debate sobre trânsito no programa Participação Popular da TV Câmara. Confira clicando aqui.