quarta-feira, 20 de junho de 2012

O desafio de Filippelli

Não é todo dia que vemos um governante do Distrito Federal vir a público fazer o desafio que fez o vice-governador Tadeu Filippelli em artigo publicado no Correio Braziliense de hoje. (O link só é acessível a assinantes, mas tomo a liberdade de reproduzir o texto abaixo neste final de dia, quando o jornal já não deve mais ter expectativa de vender exemplares nas bancas).

Acho ainda mais significativo que o desafio parta de um político que tem sua história de administrador fortemente associada a obras e, portanto, quando falamos de transporte, associada a intervenções de ampliação do sistema viário que acabam beneficiando o automóvel e estimulando o tráfego individual motorizado.

Sinceramente, não tenho o menor interesse em buscar as razões que levaram o vice-governador a lançar o desafio. Acho, sim, que cabe à sociedade do Distrito Federal aceitá-lo e refletir sobre o futuro do "quadrado", assumindo o protagonismo da mudança do paradigma de mobilidade urbana.

Aí vai o texto:



Dilema entre trânsito e transporte

TADEU FILIPPELLI
Vice-governador do Distrito Federal

Brasília nasceu do sonho de Juscelino Kubitschek de levar desenvolvimento econômico e social para as regiões mais distantes do litoral brasileiro. Eram os anos 1950, quando, além da bossa-nova, os ventos do progresso traziam de forma definitiva a indústria automobilística, a opção por estradas em vez de ferrovias e cidades que já surgiam com ruas e avenidas largas, de preferência sem semáforos e cruzamentos e poucas calçadas.

Esse modelo de desenvolvimento tornou-se realidade incontestável em nosso país, trazendo benefícios e também muitas mazelas. A indústria automobilística é responsável por cerca de 5% de todo o PIB nacional e por 23% do PIB da indústria brasileira. Embora nosso crescimento econômico atual seja baixo, o desemprego não ganhou força, e a indústria automobilística emprega, pelo menos, 3 milhões de pessoas em todo o país. Mas as cidades estão abarrotadas de veículos, o trânsito transformou-se num caos e o número de acidentes com mortes continua crescente.

O Distrito Federal deve entrar 2013 com uma frota em torno de 1,5 milhão de veículos. Em outras palavras, chegaremos à cifra assustadora de um veículo para no máximo duas pessoas. Ao longo dos 52 anos de existência de Brasília, os semáforos se multiplicaram, as avenidas largas tornaram-se estreitas, os engarrafamentos aumentaram, assim com o estresse e o número de acidentes.

O governo Agnelo, desde os primeiro dias de trabalho, tem caminhado na direção certa com relação à melhoria do transporte público, tomando decisões corretas e corajosas, como a de abrir licitação para a implantação de novo sistema de transporte coletivo. Aprovou o Plano Diretor de Transporte Urbano, que é o norte e o parâmetro legal para qualquer melhoria que se queira fazer, tirou das mãos dos empresários o controle financeiro do sistema e acabou com as filas do passe-livre estudantil.

Mais de R$ 2,5 bilhões estão sendo investidos no sistema viário, o que já provocou a diminuição considerável de acidentes em vias então consideradas “da morte”, como a EPTG e o Eixo Rodoviário (Eixão), entre outras. As faixas exclusivas para os ônibus já estão beneficiando trabalhadores que se utilizam desse transporte, com economia de tempo de 30 a 40 minutos, dependendo do trajeto. Nossa participação e nosso compromisso com o Pacto da Mobilidade Urbana, lançado pelo governo Dilma, são cada vez maiores, de forma a garantir que o projeto urbano tenha, além de mobilidade, acessibilidade e sustentabilidade.

Por causa das dificuldades encontradas no início do nosso governo, principalmente as de ordem jurídicas, sempre fomos muito corretos em afirmar que melhorias no transporte público só começariam a ser realmente sentidas pela população a partir de 2013. Desatados os principais nós, podemos assegurar hoje que caminhamos de forma firme e decidida para a conquista dessa meta.

Por esse motivo e também porque nossa opção desenvolvimentista não mudou – pelo contrário, continuamos a criar incentivos para que a indústria automobilística produza e venda mais veículos –, acreditamos ser importante agregar a esse processo, a partir de agora, uma discussão ampla e irrestrita com a sociedade sobre a nossa engenharia de trânsito.

Temos que definir, de preferência ainda neste semestre, que tipo de soluções quereremos para Brasília. Principalmente a partir do momento em que a cidade passar a contar com transporte público de qualidade. Quantos e onde estacionamentos deverão ser construídos? Serão pagos, como o são na maioria das grandes cidades dos países desenvolvidos? Rodízio e pedágios urbanos são compatíveis com a realidade de Brasília?

A partir do momento em que tivermos transporte coletivo de qualidade, com ônibus novos circulando em horários precisos e adequados, devidamente controlados por GPS, mesmo assim, o cidadão ainda terá o direito de optar pelo transporte individual. Os custos decorrentes dessa opção, no entanto, não podem ser socializados, via impostos, para que todos paguem – inclusive aqueles que fizerem opção pelo transporte coletivo. A escolha do transporte individual é legítima, mas, com certeza, tem um custo que precisa ser equacionado com a sociedade.

Este semestre é o tempo ideal para tirarmos essa discussão dos bastidores e trazê-la para instituições da sociedade, como a Câmara Legislativa, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Ministério Público, associações, sindicatos, lideranças comunitárias e partidárias. Ao governo, caberá ouvir, estimular o debate, colher sugestões, subsídios e viabilizar soluções. Com a palavra, a sociedade.


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