Nas eleições em 2010, um clichê mais que previsível se reproduzirá na cobertura da imprensa, no dia da votação. Sob a imagem das grandes filas diante das urnas, ouviremos repórteres falando sobre a “grande festa da democracia”. Não faltará a pedagógica entrevista como o velhinho de 90 e tantos que, apesar de não ser obrigado e coisa e tal, não abre mão de seu patriótico direito. Dia de festa.
Sempre achei isso uma coisa caipira, no sentido pejorativo do termo. Mas entendo. Em um país em que há tão pouco tempo (em uma perspectiva histórica) reconquistamos o direito básico de podermos votar, vá lá que uma eleição – algo tão rudimentar em uma democracia (até no Irã) – seja motivo de “festa”, ao invés de ser entendido como um procedimento regular e corriqueiro, que deveria começar, aliás, com o próprio direito de não votar.
Por que essa fala neste blog? Digo isso porque me senti, essa semana, ridiculamente “em festa” por ver a pavimentação de uma calçada entre a via L2, à altura do Cean, e a UnB, discutida aqui há algum tempo (a 1ª foto). Ela está ainda em construção, mas me parece que será uma calçada bem feita, possivelmente igual a que desejei no tempo que ia a pé para a UnB, à época da graduação nos anos 80, e durante a Pós, na década seguinte. Uma calçada, depois de tudo arrumado para a circulação dos carros, na reforma da L3, começada há mais ou menos dois anos. Uma calçada, enfim.
Alegrei-me, como tenho me alegrado ao ver uma calçada chegando ao lugar onde trabalho (a 2ª foto). Uma calçada cuja pavimentação, aliás, está se aproximando de uma baia para ônibus, projetada para um dia o transporte público poder parar no lugar que estuda o transporte público (...!).
Depois me senti meio idiota. O tal caipira. Senti, nesse misto de sensações, raiva e vergonha da minha felicidade patética. Vergonha dessa minha alegria subdesenvolvida de ainda ter que comemorar a construção de uma calçada. De achar o máximo estarem fazendo, finalmente, um espaço para a mais antiga, básica e representativa das modalidades de transporte.
“Mas ainda bem que resolveram fazer as calçadas, Victor”. “Antes tarde do que nunca...”. É verdade. Também sei ver o lado bom. Mas ainda assim não consegui, de todo, deixar de me ver comemorando bobamente a “festa” da democracia pedestre. Uma democracia como a eleitoral: incipiente e meio atrasada. Com muito chão pela frente. E de terra batida.
3 comentários:
"Disseram-me certa vez que a civilidade de uma cidade se mede pela largura das calçadas. É verdade."
Gilberto Dimenstein, O mistério das bolas de gude: Histórias de humanos quase invisíveis (Papirus, 2006, p. 67)
Passando aqui por acaso, me solidarizo com sua "felicidade patética", sua "caipirice". Haja espírito de Polyanna pra viver em nossas cidades!
caminhante, de SP
Estive por aqui em visita ao seu blog! Abraços Ademar!!
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