quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Mais sobre o caso Pedro Davison

Muito bom o artigo de Rodrigo Novaes, publicado ontem no Correio Braziliense e reproduzido abaixo. Gostei particularmente das convergências entre algumas considerações de Rodrigo e outras que eu fiz a propósito do caso Timponi. Não sei se o leitor concordará, mas acho interessante conferir.

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Lições do caso Pedro Davison

» RODRIGO RIBEIRO NOVAES
Engenheiro, especialista em transporte urbano, diretor da Anesp (Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental)

O resultado do julgamento do caso do homicídio de Pedro Davison corrobora a tese de que a humanidade caminha “com passos de formiga e sem vontade”, como canta Lulu Santos. Embora levar um crime de trânsito ao júri popular e obter uma condenação sejam em si uma vitória, a aplicação da pena mínima em regime semiaberto teve para a sociedade o amargo sabor de derrota, de impotência, de impunidade.

Que lições podemos tirar desse caso para darmos alguns passos em direção a um trânsito mais civilizado, no Brasil e em Brasília?

Em primeiro lugar, o Judiciário ainda é largamente insensível à questão da violência no trânsito — conclusão que tiro não apenas do caso de Davison. Em outro triste exemplo, das três mortes na Ponte JK, em outubro de 2007, os desembargadores Sandra de Santis e George Leite livraram Paulo César Timponi de uma possível condenação por dolo eventual (aquele em que se assume o risco de matar), apesar de ele trafegar a 130km/h e de terem sido encontrados álcool e drogas em seu veículo.

É evidente que juízes e desembargadores, todos com salários acima de R$ 20 mil, não costumam andar de ônibus, a pé ou de bicicleta pela cidade. Existe, portanto, uma empatia natural dos agentes da Justiça com o réu motorista e uma dificuldade de se colocarem no lugar da vítima ou de sua família. É necessário trazer esses tomadores de decisão para fora de suas zonas de conforto, como naquelas experiências em que uma pessoa sem deficiência senta em uma cadeira de rodas para andar pela cidade.

A segunda lição é que, ainda que aceitemos a tese de que um crime ou desastre de trânsito é um “acidente”, o elemento de fortuidade perde-se quando o condutor não presta socorro à vítima. Nesse ponto, o motorista toma a decisão consciente de deixar outro ser humano gravemente ferido morrer, com a única intenção de escapar da Justiça.

Trata-se, portanto, de uma atitude dolosa, criminosa e hedionda, que deveria, por qualquer critério, ser inafiançável. Esse problema é agravado pela prática de se estabelecerem valores quase simbólicos de fiança nos casos de omissão de socorro.

Leonardo Luiz da Costa, condenado no caso Pedro Davison, pôde responder ao processo em liberdade por mais de três anos, após pagar meros R$ 2 mil — 4% do valor de seu luxuoso Fiat Marea.

O último ponto a se tratar aqui tem a ver exclusivamente com Brasília. O Eixão é uma via que historicamente mata muitas pessoas. Quantos outros casos semelhantes ao de Pedro não conhecemos? Quantas pessoas ainda precisarão morrer ali para que o GDF tome providências?

Uma via com as características do Eixão, em ambiente urbano, só deveria ter velocidade máxima de 80km/h se houvesse separação física, como uma barreira entre os dois sentidos. Entretanto, a realidade que todos fingem não ver é que o Eixão é uma pista cuja divisão das mãos é feita por pouco mais que duas linhas pintadas de amarelo, onde há ciclistas e a travessia de pedestres é frequente. Por esses critérios, segundo manuais de segurança aplicados na Europa e nos EUA, a velocidade máxima deveria ser de 60km/h. Isso diminuiria as mortes tanto por atropelamento quanto por colisão frontal (Aos preocupados com congestionamento, lembro que a velocidade média não é a máxima, especialmente no período de pico. A capacidade da via seria reduzida em apenas 6%, o que poderia facilmente ser compensada com outras medidas).

O resultado do processo de Pedro Davison tem que ser revisto e ir além da pena mínima. A sociedade precisa fazer o Judiciário entender que a violência no trânsito está em níveis inadmissíveis. Não podemos mais permitir fiança nos casos com omissão de socorro. E o GDF precisa se mexer para que o Eixão deixe de ser tão perigoso quanto é.

CORREIO BRAZILIENSE n. 8226; Brasília, quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010 n. 8226; Opinião; p. 15.

Um comentário:

RC disse...

Concordo com a análise do articulista no que diz respeito à falta de sensibilidade para a realidade de pedestres, ciclistas e usuários de transporte público. No entanto, a análise das decisões judiciais foi meio rasteira. Da decisão do Timponi para esta, avançamos incrivelmente. E, tecnicamente, a decisão no caso do Pedro é bastante razoável. Li na caixa de comentários do Correio uma observação atribuída ao próprio pai do Pedro. Ele dizia que era importante destacar a aceitação da tese de dolo eventual - diferença-chave em relação ao caso Timponi. Ao dosar a pena, o juiz simplesmente negou, como circunstâncias agravantes, os fatos que definem o dolo eventual. Não duvido que, se fosse mais sensível à selvageria no trânsito, poderia descobrir uma solução "técnica" para impor pena mais dura ao motorista. Porém, é preciso ter um pouco de calma para que, na ânsia por "justiça", não percamos uma oportunidade de realmente mudar algo. Minhas condolências, sempre, aos pais.