Sou engenheiro, não sou jurista. Não me atreveria a dar pitaco em assunto que não domino. Mas também sou educador e creio firmemente que as leis e a interpretação que o Poder Judiciário faz delas têm uma função educativa importantíssima que, lamentavelmente, tem sido pouco valorizada em nossa sociedade.
Para resumir o que penso do abuso de velocidade, assim como da mistura álcool-direção e de outros comportamentos de risco ao volante:
- Quem se comporta assim assume o risco conscientemente, portanto há dolo.
- Consequentemente, se desse comportamento resultam vítimas fatais, trata-se de homicídio doloso. Admito que pode haver circunstâncias atenuantes, mas o dolo deve ser o ponto de partida; ao contrário do que ocorre hoje, quando quem tem que suar muito a camisa é quem tenta caracterizar o dolo. O que penso é que a lógica precisa ser invertida.
- Juntando uma coisa com a outra, mesmo quando não há vítimas, ou ainda mesmo que não haja uma colisão, um atropelamento ou ocorrência semelhante (recuso-me a chamar essas coisas de acidentes), vejo quem assume esses comportamentos de risco como alguém que pratica crime de tentativa de homicídio.
Não sei o que juristas e legisladores diriam deste raciocínio assumidamente simplório que acabo de esboçar, mas acredito piamente que o trânsito seria mais cidadão se a sociedade em geral pensasse assim e visse como criminoso cada irresponsável que, por exemplo, abusa do excesso de velocidade.
Assumindo seu papel educador, a Justiça bem que poderia buscar um entendimento que não deixasse na população essa incômoda imagem de complacência...
4 comentários:
Paulo.
Como educador e até como engenheiro (apesar de todo o cartesianismo...) sua lógica e sensibilidade transcendem qualquer argumento técnico jurídico.
As famílias das vítimas já entraram com recurso, assim li nos jornais. Vamos nos empenhar para que isso aconteça. Escrever na internet, como você fez...Mandar cartas para os veículos de comunicação sugerindo pautarem esse assunto e até, quem sabe, a produção de um abaixo assinado.
Vamos citar o exemplo do Paraná. Carli Filho, um ex parlamentar estadual de grande influência não escapou de um indiciamento inedito no país: DUPLO homicídio qualificado com dolo eventual.
Por analogia, o caso da Ponte JK de Brasilia, se tivesse acontecido no Paraná seria TRIPLO homicídio.
Porque a diferença?
Fernando
Caro Fernando,
Eu espero que o STJ ajude a fazer o Poder Judiciário agir com o rigor que o estado de barbárie de nosso trânsito requer.
Forte abraço,
Paulo Cesar
Caro Paulo,
Eu vou me permitir um autoplágio e repetir aqui um comentário que escrevi sobre as decisões recentes dos tribunais absolvendo praticamente TODOS os condutores que se recusaram a soprar o bafômetro.
A Justiça brasileira é uma expressão da moral de seus representantes. Não elegemos um Juiz; não escolhemos um Ministro do Supremo Tribunal Federal, nem de qualquer outra Corte Superior. A Justiça vive de si mesma, como uma esfera autônoma que, aliás, admite pouquíssimo controle da Sociedade a que serve. Ela não é uma expressão da democracia.
Não é uma fragilidade da “Lei Seca” que o crime de trânsito, configurado pela concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, exija a aferição técnica do bafômetro ou do exame de sangue do motorista. Frágil é o entendimento de que o cidadão, detentor provisório de uma concessão do Estado para condução de um veículo automotor nas vias públicas, não tenha a obrigação de se submeter à essa aferição diante do Poder de Polícia.
A tese do “não produzir prova contra si mesmo” é irmã daquela que diz que “acidente de trânsito é acidente” – um fato vazio de intenção, um sem-querer que o destino transformou em fatalidade. A Justiça brasileira NÃO COMPREENDE o acidente de trânsito, não importa quantas vidas tenham se perdido, quantas mães e pais se esgoelem pelas ruas, revoltados com suas perdas irreparáveis.
Nada mais estranho à moral da Justiça brasileira do que condenar alguém por um Crime de Trânsito – uma novidade do novo Código que nunca desceu goela abaixo dos tribunais no país.
Essa moral elástica dos tribunais, complacente com os pequenos e grandes deslizes de cada um no trânsito, é uma velha conhecida, que favorece privilégios e reproduz desigualdades – para os “outros”, a Lei.
O ultrajante caso Timponi é apenas mais uma expressão desse estado de coisas que, tenho certeza, um dia será superado.
Eduardo,
Obrigado pelo ótimo comentário, como sempre. Um aspecto que você levanta merece uma outra boa discussão: o motorista tem mesmo uma licença precária do Estado e precisa produzir evidências de que está em condições de usá-la a qualquer momento. Também considero falacioso o argumento de que estaria produzindo provas contra si.
Paulo
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