Está marcada para esta tarde a votação em segundo turno do projeto de lei que cria a CMT -Companhia Metropolitana (sic) de Trânsito. A propósito, matéria do programa Bom Dia DF, da TV Globo, colocou frente a frente nesta manhã o Subsecretário de Transportes do DF, Délio Cardoso, e o líder do PT na Câmara Legislativa, Cabo Patrício. Em sua linha de argumentação o governo não consegue dar resposta à questão central: como a CMT vai ajudar a aumentar a segurança do trânsito? Sim, porque o governo inventou a CMT dizendo que era para isso...
Para quem não se lembra, a proposta veio no bojo do pacote que o governo anunciou em resposta às cobranças que a sociedade fez depois da ocorrência na Ponte JK que envolveu Paulo César Timponi em outubro de 2007. O jornal Correio Braziliense noticiou assim o pacote no dia 20 daquele mês:
A primeira pergunta que precisa ser feita é: se a CMT era necessária para aumentar a segurança, por que o governo deixou-a dormitando um ano inteiro na Câmara Legislativa e só sacou-a da gaveta agora?
Sinceramente, não creio que os motivos da criação da CMT sejam aqueles alegados pelo governo. Aliás, o discurso de Délio Cardoso na TV hoje de manhã (condenando as multas) tem um fundo demagógico, o mesmo que o fez alardear, no início de sua gestão à frente do Detran em 2007, que o aumento dos limites de velocidade nas vias do DF iria reduzir a saturação nas horas de pico (sobre isso, escrevi um artigo no Correio Braziliense de 18 de maio, que reproduzo abaixo).
Ainda espero que a Câmara Legislativa não se deixe levar por argumentos tortuosos e vote, em benefício da população do Distrito Federal, contra a criação da CMT.
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Artigo publicado no Correio Braziliense de 18/05/2007:
O que se ganha com o aumento das velocidades?
Seria leviano atribuir a morte trágica de mais dois ciclistas atropelados no acostamento do Lago Norte à política de aumentar os limites de velocidade de algumas vias. Mas a circunstância de que a perda das duas vidas aconteceu exatamente no dia em que as placas de 60 foram substituídas pelas de 70 km/h no local nos obriga a refletir seriamente sobre os efeitos desse desatino com que o Detran quer marcar a reedição do programa “Paz no Trânsito”.
Ainda há alguns dias, em debate numa emissora de televisão, tive a oportunidade de ouvir do representante do Detran que as vias sujeitas a aumentos de velocidade não são escolhidas aleatoriamente, mas sim com base em estudos técnicos. O apresentador do programa então pediu detalhes de tais estudos e todos aprendemos que se trata do monitoramento dos índices de acidentes – vias que apresentam altos índices de acidentes não são candidatas à dilatação dos limites de velocidade. Convenhamos, é um critério pouco responsável.<
É o próprio Detran que nos informa que a primeira edição do “Paz no Trânsito” e a implantação da fiscalização eletrônica de velocidade fizeram o número de vítimas fatais do trânsito cair de 610 em 1996 para 465 em 1997. O número de mortos por 100 mil habitantes caiu de 34 para 22 no mesmo período e está hoje um pouco abaixo de 20. Coincidência ou não, as velocidades médias nas vias do Distrito Federal caíram abruptamente, também nesse período, em cerca de 40% e vêm se mantendo estáveis graças à fiscalização eletrônica. Sem dúvida, são resultados alentadores – mas não podemos nos dar por satisfeitos com esses números. Só para termos uma idéia, a meta da Política Nacional de Trânsito é reduzir a 14 o número de mortos por 100 mil habitantes até 2010. Ou seja, se reduzimos em 40% esse índice num período de dez anos, temos só mais três anos e meio para reduzi-lo em outros 30%. De onde vem, então, a idéia esdrúxula de aumentar as velocidades?
O argumento que o Detran vem apresentando à população é da redução dos tempos de viagem. É claro que velocidades mais altas reduzem os tempos de viagem. Mas será que nós temos uma noção razoavelmente precisa do que é essa economia? Façamos uma conta simples. A via L4 Sul tem aproximadamente 10 km de extensão. Percorrendo-a de ponta a ponta no limite de velocidade anterior, de 70 km/h, gastávamos 8 minutos e 34 segundos; com o novo limite, de 80 km/h, gastamos 7 minutos e 30 segundos. Isso mesmo, uma incrível economia de 1 minuto e 4 segundos. Outros exemplos? Nos aproximadamente 3 km da EPJK (entre a DF-001 e a Ponte JK), o aumento de 70 para 80 km/h nos proporciona um ganho de 19 segundos; nos 9 km do Lago Norte (de 60 para 70 km/h), 1 minuto e 17 segundos. E se os 5 km do Eixo Monumental entre a Torre de TV e a Rodoferroviária passarem de 60 para absurdos 80 km/h (costuma-se compará-lo ao Eixão) ganharemos imprescindíveis 1 minuto e 15 segundos. Formidável, não?
O argumento fica ainda mais frágil quando o Detran diz que o objetivo é aumentar a fluidez nos horários de pico. Ora, nesses horários a velocidade não fica limitada pela regulamentação, mas sim pela concentração de veículos (também chamamos isso de densidade, medida em termos da quantidade de veículos por extensão de via). Em outras palavras, é a alta demanda veicular, levando a operação da via para os limites de saturação, que impõe as restrições de velocidade nesses horários. Isso é tão elementar que a insistência do Detran em usar tal argumento deixa no ar a forte sensação de abuso demagógico da boa fé da população.
O mais grave de tudo, entretanto, está nas conseqüências do aumento da velocidade sobre a ocorrência e a severidade dos acidentes. O impacto de um choque ou de um atropelamento depende da energia cinética do corpo (no caso, o veículo) em movimento, ou seja, varia com o quadrado da velocidade. Portanto um aumento de, por exemplo, 17% na velocidade (de 60 para 70 km/h), que significa 14% de redução no tempo de viagem, corresponde a um aumento de 36% de energia cinética, isto é, um choque fica 36% mais grave. Por isso morrem 50% das pessoas atropeladas a 50 km/h, 90% das atropeladas a 70 km/h e praticamente 100% das atropeladas acima de 80 km/h. Além disso, mesmo quando a velocidade alta não é o fator principal de determinado acidente ela pode impedir que o acidente seja evitado. Em condições iguais, um veículo que precisa de 35 metros para parar quando trafega a 60 km/h precisará de 62 metros a 80 km/h e de 96 metros a 100 km/h.
Assim, caros amigos do Detran, vocês prestariam um serviço muito melhor à população do Distrito Federal se divulgassem fatos como esses, que ajudam a desconstruir a nefasta cultura da velocidade, em vez de jogar para a platéia com medidas que não atingirão os objetivos anunciados e comprometerão severamente os esforços de anos para assegurar um trânsito mais humano. Ainda é tempo de recolocar o “Paz no Trânsito” no rumo certo.
2 comentários:
Sobre a votação, em segundo turno do projeto de lei quisera estar enganado, mas são "favas contadas". A vontade do Chefe do Poder Executivo invariavelmente prevalece sobre o bom senso e racionalidade da Casa Legislativa. Poder independente! Quimera!Portanto, o próximo passo, Poder Judiciário. Lá, pelo menos ficamos com a dúvida. O Ministério Público, se acionado, certamente manifestar-se-à pela inconstitucionalidade do Projeto. Portanto amigos, nem vale a pena dar de mamar para a maioria dos bezerros a serviço do poder de plantão. É uma pena. Mais gastos desnecessários dos recursos públicos para desfazer um nó cego. Nada disso seria necessário se os mentores e responsáveis pela pacificação dessa arena onde a violência prevalece, tivessem um pouco de humildade e ouvissem a experiência e aperfeiçoassem o que deu certo e as soluções que certamente têm os servidores que ora, estão sendo transformados em inimigos. Técnicos apaixonados, mas competentes, poderiam ter contribuído para evitar uma série de erros cometidos nessa quase metade de um mandato que foi desperdiçado. Agora, se a ansiedade toma conta, as possibilidades de falhas aumentam.
Referente à nefasta desconstrução de uma educação de trânsito, então já bastante prejudicada, a responsabilidade não é dos técnicos do Órgão de Trânsito. Eles foram contrariados quando entendiam que não se deveria aumentar a velocidade das vias do Distrito Federal. Uma coisa são as eventuais alterações em função de mudanças contingentes a alterações das condições das vias, outra é desconsiderar o conhecimento técnico, a experiência e a história do trânsito brasiliense e passar para a população que a velocidade das vias será maior. É o que foi passado. A autoridade executiva de trânsito de então, exonerado da função depois de pouco mais de um ano, após fracassar na Direção do Órgão, é o único responsável. A mensagem “Maior Responsabilidade” deveria valer, inicialmente, para ele. E as medidas que ratificaram a sua incompetência, não ficaram só nisso.
Por outro lado, o único pecado, que não é capital, dos amigos do DETRAN, é não poder e não ter respaldo político e provavelmente, não seriam “simpático” ao público caso denunciassem essas impropriedades técnicas e eventualmente legais. É possível e desejável administrar eficientemente, conseguindo os possíveis e necessários consensos. É só uma questão de competência! Os resultados do Paz no Trânsito (1995/1998) é uma experiência que deveria servir de parâmetro para todo e qualquer programa governamental que autentica e verdadeiramente preocupa-se com a vida e a pacificação dessa guerra. Algum cientista do comportamento humano e social, um dia, usará esse fenômeno para indicar os parâmetros metodologicamente científicos para reproduzir os procedimentos que nos colocarão entre as comunidades consideradas civilizadas. Mas falta muito, e pelo andar da carruagem, não o veremos tão cedo.
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