sábado, 11 de abril de 2009

O ano da educação?

O Contran definiu que o tema da Semana Nacional de Trânsito (e portanto o eixo das campanhas dos órgãos de trânsito) no ano de 2009 será a Educação no Trânsito. Ótima decisão. Se bem articuladas, as ações dela decorrentes podem dar um importante impulso aos esforços de tanta gente que há anos batalha pela promoção de valores cidadãos nesse amplíssimo ambiente de convívio social que são os espaços de circulação.

A decisão se casa também com a quintuplicação dos recursos do Funset e DPVAT liberados pela área econômica do governo para uso no objeto a que se destinam: os programas de educação e segurança no trânsito. A restrição da equipe econômica à alocação desses recursos nos orçamentos dos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito (SNT), uma forma genocida de fazer superávit primário, vinha sendo alvo de diversas denúncias e a pressão parece ter surtido um efeito significativo para o exercício de 2009.

Porém, nem tudo são flores. A aplicação dos recursos está aparentemente condicionada a outros fatores, que podem acabar definindo a abordagem dos programas, mesmo que em desacordo com as experiências e as formulações acumuladas nos órgãos e entidades do SNT.

Deve ter sido este o caso do suplemento especial "Educação no Trânsito" publicado pelo jornal Correio Braziliense na última quinta-feira, dia 9 de abril. É um caderno com 18 páginas (fora a capa) cujos únicos anúncios - a página central, dupla, e a última capa - são peças assinadas pelo trio Denatran, Ministério das Cidades e Ministério da Saúde e elaboradas por este último (dono da conta com a agência de publicidade) que fazem parte de uma das piores campanhas de segurança no trânsito que eu já vi. É um tipo de abordagem que mostra as consequências dramáticas de comportamentos tão extremados que a maior parte do público certamente não se identifica com os personagens. Resultado: o efeito das peças é nulo.

Mas estaríamos bem se os anúncios no caderno fossem a única coisa a merecer questionamento. Infelizmente, a própria linha editorial do caderno é essencialmente equivocada, ressaltando uma visão normativa da educação (aquela preocupada em submeter os sujeitos à conformidade com a norma), em detrimento da concepção que prioriza a promoção de valores cidadãos. Há, obviamente, contribuições interessantes, mas os textos em geral mostram mais preocupação com a segurança individual do que com a construção do ambiente seguro de circulação.

Perdido no meio da cartilha catequética, o artigo "Cubo Mágico", do sociólogo Eduardo Biavati chama à reflexão no sentido contrário, propondo que, em vez de nos limitarmos a ensinar a não transgredir, "devemos aprender a falar de trânsito olhando para além dele, conectando outras dimensões do problema". É uma bela proposição. Pena que editores e patrocinadores não leram o artigo antes de produzirem o suplemento.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito obrigado pelos elogios ao artigo "Cubo mágico".

Há pouco tempo atrás conversava com uma educadora de trânsito e ela dizia, angustiada, que “não se tem claro como a Educação para o Trânsito é vista pela sociedade e governo”, mas isso não é verdade. Ao contrário, tem-se muito claro como ela é vista. Para começo de conversa, em letras minúsculas: educação para o trânsito; um mero ponto no longo processo de formação de um cidadão.

Educar para o trânsito é social e politicamente desimportante em nossa sociedade. Qual é a porcentagem do orçamento municipal, estadual ou federal para o setor de transporte e trânsito dedicada ao custeio com “educação para o trânsito”? 0,5% ou nem isso? Se pudéssemos somar a totalidade de crianças e jovens envolvidos em quaisquer ações de “educação para o trânsito”, em todo país, em 2008, teríamos atingido qual proporção do total de alunos regularmente matriculados na rede de ensino? 7%,talvez?

Além do mais, educar para o trânsito por que? Ora, para que todos cresçamos obedecendo a regra! Se todos seguissemos a regra de bom grado, até com um sorriso no lábio do dever cumprido, não haveria acidente de trânsito!! É o que sempre pensaram os militares que dominavam (e dominam ainda em São Paulo) a administração do trânsito. Nada mais falso, é claro.

Esse é a matriz dos equívocos que nos levam ainda hoje à experiência divertida mas inócua das "mini-cidades" e,também, do convencionalísimo Caderno Especial do Correio Braziliense.

Concordo com sua crítica, mas a mídia não está sozinha nessa - o que as escolas e os professores pensam do trânsito?

Por último, o tema da Semana Nacional de Trânsito 2009 não é exatamente a "educação no trânsito". O ano será dedicado a pensar nos VALORES e nos BONS COSTUMES que devem informar nossas ações no trânsito - "respeito, gentileza, cooperação, colaboração, tolerância, solidariedade, amizade, entre outros tão importantes ao trânsito seguro e harmônico". Pois bem,veremos.

A apresentação oficial do tema pode ser conferida em [http://www.denatran.gov.br/campanhas/semana/2009/snt2009.htm].

Paulo Cesar disse...

Ana Maria Bernardes tentou mas, por algum motivo, não conseguiu postar um comentário que me enviou diretamente. Tomo a liberdade de compartilhá-lo com vocês.

Paulo Cesar

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"Parabéns a Paulo César e Eduardo Biavatti, por suas contundentes e brilhantes colocações!

Realmente, a educação para o trânsito, de um modo geral, somente ocupa espaço quando se tem de falar em verbas: de quanto se dispões e a quem podem ser repassadas, qual a imagem mais forte a ser apresentada para chocar...

A indignação toma conta de nós, educadores, quando nos deparamos com a abordagem, em um suplemento de um jornal da abrangência do Correio Brasiliense, sobre o tema educação para o trânsito de forma tão simplista, de apenas obedecer a norma, e, com a ênfase no binômio motorista/veículo, como o trânsito se fizesse COM e EM torno destes dois, apenas.

Felizmente, nossa comunidade pode contar com educadores do naipe de Juciara Rodrigues a cujo empenho e garra devemos muito do que se vem fazendo em nível nacional, Eduardo Biavatti, Paulo César e todos os que vem lutando para que um novo trânsito seja possível, no qual o respeito, a solidariedade, a responsabilidade, a prudência e a tolerância sejam manifestados por novos cidadãos convictos de que atitudes éticas e valores constituem-se em caminhos para a paz, também no trânsito."

Ana Maria