A decisão se casa também com a quintuplicação dos recursos do Funset e DPVAT liberados pela área econômica do governo para uso no objeto a que se destinam: os programas de educação e segurança no trânsito. A restrição da equipe econômica à alocação desses recursos nos orçamentos dos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito (SNT), uma forma genocida de fazer superávit primário, vinha sendo alvo de diversas denúncias e a pressão parece ter surtido um efeito significativo para o exercício de 2009.
Porém, nem tudo são flores. A aplicação dos recursos está aparentemente condicionada a outros fatores, que podem acabar definindo a abordagem dos programas, mesmo que em desacordo com as experiências e as formulações acumuladas nos órgãos e entidades do SNT.
Deve ter sido este o caso do suplemento especial "Educação no Trânsito" publicado pelo jornal Correio Braziliense na última quinta-feira, dia 9 de abril. É um caderno com 18 páginas (fora a capa) cujos únicos anúncios - a página central, dupla, e a última capa - são peças assinadas pelo trio Denatran, Ministério das Cidades e Ministério da Saúde e elaboradas por este último (dono da conta com a agência de publicidade) que fazem parte de uma das piores campanhas de segurança no trânsito que eu já vi. É um tipo de abordagem que mostra as consequências dramáticas de comportamentos tão extremados que a maior parte do público certamente não se identifica com os personagens. Resultado: o efeito das peças é nulo.
Mas estaríamos bem se os anúncios no caderno fossem a única coisa a merecer questionamento. Infelizmente, a própria linha editorial do caderno é essencialmente equivocada, ressaltando uma visão normativa da educação (aquela preocupada em submeter os sujeitos à conformidade com a norma), em detrimento da concepção que prioriza a promoção de valores cidadãos. Há, obviamente, contribuições interessantes, mas os textos em geral mostram mais preocupação com a segurança individual do que com a construção do ambiente seguro de circulação.
Perdido no meio da cartilha catequética, o artigo "Cubo Mágico", do sociólogo Eduardo Biavati chama à reflexão no sentido contrário, propondo que, em vez de nos limitarmos a ensinar a não transgredir, "devemos aprender a falar de trânsito olhando para além dele, conectando outras dimensões do problema". É uma bela proposição. Pena que editores e patrocinadores não leram o artigo antes de produzirem o suplemento.
2 comentários:
Muito obrigado pelos elogios ao artigo "Cubo mágico".
Há pouco tempo atrás conversava com uma educadora de trânsito e ela dizia, angustiada, que “não se tem claro como a Educação para o Trânsito é vista pela sociedade e governo”, mas isso não é verdade. Ao contrário, tem-se muito claro como ela é vista. Para começo de conversa, em letras minúsculas: educação para o trânsito; um mero ponto no longo processo de formação de um cidadão.
Educar para o trânsito é social e politicamente desimportante em nossa sociedade. Qual é a porcentagem do orçamento municipal, estadual ou federal para o setor de transporte e trânsito dedicada ao custeio com “educação para o trânsito”? 0,5% ou nem isso? Se pudéssemos somar a totalidade de crianças e jovens envolvidos em quaisquer ações de “educação para o trânsito”, em todo país, em 2008, teríamos atingido qual proporção do total de alunos regularmente matriculados na rede de ensino? 7%,talvez?
Além do mais, educar para o trânsito por que? Ora, para que todos cresçamos obedecendo a regra! Se todos seguissemos a regra de bom grado, até com um sorriso no lábio do dever cumprido, não haveria acidente de trânsito!! É o que sempre pensaram os militares que dominavam (e dominam ainda em São Paulo) a administração do trânsito. Nada mais falso, é claro.
Esse é a matriz dos equívocos que nos levam ainda hoje à experiência divertida mas inócua das "mini-cidades" e,também, do convencionalísimo Caderno Especial do Correio Braziliense.
Concordo com sua crítica, mas a mídia não está sozinha nessa - o que as escolas e os professores pensam do trânsito?
Por último, o tema da Semana Nacional de Trânsito 2009 não é exatamente a "educação no trânsito". O ano será dedicado a pensar nos VALORES e nos BONS COSTUMES que devem informar nossas ações no trânsito - "respeito, gentileza, cooperação, colaboração, tolerância, solidariedade, amizade, entre outros tão importantes ao trânsito seguro e harmônico". Pois bem,veremos.
A apresentação oficial do tema pode ser conferida em [http://www.denatran.gov.br/campanhas/semana/2009/snt2009.htm].
Ana Maria Bernardes tentou mas, por algum motivo, não conseguiu postar um comentário que me enviou diretamente. Tomo a liberdade de compartilhá-lo com vocês.
Paulo Cesar
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"Parabéns a Paulo César e Eduardo Biavatti, por suas contundentes e brilhantes colocações!
Realmente, a educação para o trânsito, de um modo geral, somente ocupa espaço quando se tem de falar em verbas: de quanto se dispões e a quem podem ser repassadas, qual a imagem mais forte a ser apresentada para chocar...
A indignação toma conta de nós, educadores, quando nos deparamos com a abordagem, em um suplemento de um jornal da abrangência do Correio Brasiliense, sobre o tema educação para o trânsito de forma tão simplista, de apenas obedecer a norma, e, com a ênfase no binômio motorista/veículo, como o trânsito se fizesse COM e EM torno destes dois, apenas.
Felizmente, nossa comunidade pode contar com educadores do naipe de Juciara Rodrigues a cujo empenho e garra devemos muito do que se vem fazendo em nível nacional, Eduardo Biavatti, Paulo César e todos os que vem lutando para que um novo trânsito seja possível, no qual o respeito, a solidariedade, a responsabilidade, a prudência e a tolerância sejam manifestados por novos cidadãos convictos de que atitudes éticas e valores constituem-se em caminhos para a paz, também no trânsito."
Ana Maria
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