Paixão pelo amarelo
Nas ruas de grandes cidades americanas e europeias sempre me admiro com o respeito, e o temor, dos motoristas pelas leis de trânsito. Não há horário ou pretexto para que algum carro avance com o sinal amarelo. Pode até ranger freios e pneus, dar um susto no passageiro, até mesmo levar uma encostada na traseira, mas ninguém cruza a faixa de pedestres no amarelo. Não só a multa é pesadíssima, como o infrator tem que comparecer ao tribunal, perde pontos na carteira, tem uma grossa chateação.
É um comportamento profundamente arraigado nos motoristas e um símbolo de convívio urbano civilizado. Entre nós é justamente o contrário.
Porque no Brasil em geral, e no Rio de Janeiro em particular, a regra é aproveitar até o último restinho de amarelo antes do vermelho e ser mais esperto do que os outros. Pelo menos até o próximo sinal.
Em cidades mais violentas e inseguras como Rio, Recife, Belo Horizonte e Vitória, nem o sinal vermelho é respeitado, por motivos óbvios: para não ser assaltado, hoje um clássico urbano brasileiro.
O Estado é incapaz de dar segurança ao cidadão e não pode puni-lo por proteger sua própria vida. Mas mesmo em nossas cidades mais civilizadas o amarelo é como um extra, um bônus, um “chorinho” do verde.
Não é preciso ser nenhum professor DaMatta para perceber que, mais do que um mau hábito perigoso, é uma metáfora do nosso jeito brasileiro de ser. A pressa que leva ao atraso.
Acostumado a atravessar as ruas do Rio de Janeiro depressa, mesmo com a luz verde, e depois de olhar para os dois lados, até em vias de mão única, tive um choque de civilização em Roma quando descobri, incrédulo, que onde não havia sinal bastava colocar o pé na faixa para que todos os carros parassem imediatamente, em qualquer lugar ou horário, por mais movimentados que fossem.
Mas nós amamos tanto o amarelo, símbolo do ouro na nossa bandeira e na camisa da seleção, que o usamos até para mostrar desprezo. Se falta coragem a alguém em um momento decisivo, diz-se que amarelou. Como o senador Mercadante, que para não ficar vermelho por cinco minutos vai ficar amarelo o resto da vida.
4 comentários:
Pois é.
Aqui em Curitiba a paixão pelo amarelo é vermelha.
O início do vermelho ainda é amarelo.
O verde do pedestre só é verde depois que terminam de passar os carros que viram o início do vermelho como amarelo, logo era verde para eles.
O pedestre, se for lento para cruzar nos 5 seg restantes, que espere o próximo ciclo.
Luis, não é só em Curitiba. Infelizmente...
Infelizmente...
Em SP é assim tbm, sinal amarelo é o mesmo que verde... e o comecinho do vermelho, idem.
Pior ainda é nas ruas estreitas dos bairros paulistanos, onde não existe farol e ninguém respeita a faixa de pedestre.
Se você começa a atravessar a rua e percebe um carro vindo, pode sair correndo que com certeza o motorista não vai parar, e pior ainda, acelera ainda mais e passa pela gente buzinando e xingando...
E tenho percebido que aqui em Brsília a coisa já está começando a ficar assim... infelizmente.
Concordo, Renato.
É preciso retomar os esforços em torno do respeito à faixa de pedestres em Brasília, senão corremos o risco de perder uma importante conquista da cidadania uma década atrás.
Postar um comentário