terça-feira, 26 de maio de 2009

A tecnologia a serviço da segurança

(Artigo também publicado na Gazeta do Povo de hoje)

A tragédia da colisão na madrugada do dia 7 de maio tem provocado mais que a indignação popular em face de um crime de trânsito; há também o temor por sabermos que os poderosos mais uma vez vão cuidar de um dos seus. O temor de que a lei seja uma para nós e outra para os eleitos. Nenhum de “nós” ignoraria a notificação da perda da Carteira de Habilitação e não nos arriscaríamos a dirigir a alta velocidade depois de beber – a não ser que nos achássemos totalmente imunes às consequências. E a diferença entre imunidade e impunidade é apenas uma letra: P.

P de poder. P de prepotência. P de pizza.

A gente tem razão de se preocupar. Em outubro de 2001, João José Arruda Júnior, sobrinho do atual governador, se envolveu num acidente quando a camionete que dirigia atingiu outro veículo, matando duas jovens e ferindo mais quatro.

Houve alegações e suspeitas de interferência e carteiraços, porém em 2003 o rapaz foi condenado pela justiça a três anos e nove meses de detenção, pela morte de duas pessoas, e a mais seis meses, por ter fugido do local sem prestar socorro às vítimas. A condenação foi por ter furado o sinal; não houve prova de outros crimes como excesso de velocidade ou intoxicação. Por alegados bons antecedentes, o juiz transformou a pena de detenção em multa de cem salários mínimos às famílias das vítimas ou a instituições sociais ou em trabalho comunitário por 1.550 horas. O réu perdeu a carteira por nove meses. Mudou alguma coisa nos últimos oito anos? Sim. Não as leis. Nem a sensação de alguns do andar de cima de se acreditarem acima dos plebeus. O que mudou foi a disseminação da tecnologia e da informação.

Os radares – ainda odiados por muitos – modificaram o comportamento da grande maioria dos motoristas curitibanos, que hoje trafegam pela cidade abaixo de 60 km/h, uma diferença brutal em relação às velocidades médias de dez anos atrás. Junto com as lombadas eletrônicas, os radares “acalmaram” o trânsito e salvaram dezenas de vidas. E ainda permitem rastrear o comportamento antissocial, registrando – no caso do deputado – um histórico de abusos de velocidade. Os exames de sangue são rotineiros e as amostras são guardadas – para prevenir eventuais “esquecimentos” no andamento de investigações. E há gravações de vídeo em bares e postos de gasolina, ou seja, uma vasta disponibilidade de material público e privado capaz de enfrentar qualquer esforço do P de panos quentes.

No trânsito, a tecnologia moderna é odiada por alguns exatamente por ser difícil de burlar. Não aceita “carteiraço”, não pode ser subornada e ainda trabalha 24 por dias por sete dias na semana, sem férias ou greves. Mas veio para ficar e – mais cedo ou mais tarde – teremos um elemento a mais nos fiscalizando. Não me refiro a semáforos “inteligentes” (lamento informar aos leitores e alguns animados de plantão que sem uma programação adequada não existe semáforo inteligente), mas à questão de respeito ao sinal vermelho.

O comportamento de muitos (maus) motoristas curitibanos é de aproveitar todos os quatro segundos do tempo amarelo – e o(s) primeiro(s) segundo(s) do sinal vermelho – como se fossem verdes. A não ser que o padrão de acidentes tenha se modificado nos últimos anos, a grande maioria dos acidentes graves acontece justamente nos cruzamentos sinalizados com semáforos. E acontecem porque alguém fura o sinal. Uma matéria recente do Caderno G citou que na madrugada curitibana há um festival de sinais furados em alta velocidade com “buzinadinhas”.

A tecnologia existe para minimizar isso: é fácil flagrar quem fura o sinal vermelho. “Ahhh” – ouço dos poderosos – “cada semáforo equipado com uma geringonça dessas vai virar um ‘assaltódromo’”.

Isto não é o risco: a presença da figura humana (ameaçadora ou não) invalida qualquer registro de infração. O objetivo da fiscalização é de melhorar a segurança e não a criação de fabriquetas de multa. O registro de infrações também poderia ser interrompido durante a madrugada. Mas o equipamento pode continuar a registrar a velocidade e reconhecer a placa de todos os que passam – os doidos, os garotões fazendo racha e os bêbados. Inclusive a velocidade dos veículos cruzando os semáforos operando em pisca alerta, como no cruzamento das ruas Paulo Gorski e Monsenhor Ivo Zanlorenzi. No futuro não haverá discussões sobre possíveis registros de velocímetros: as velocidades dos envolvidos serão gravadas num chip.

Sabendo que imunidade e impunidade têm seus limites, até os poderosos serão obrigados a se comportar. E o trânsito da noite também será mais calmo.

Com P de Paz.


Alan Edward Ramsey Cannell é engenheiro formado pela University of London com mestrado em transportes pela University of Leeds. É membro-fundador do Programa Criança Segura.

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